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Moradores iniciam luta para São Luiz do Paraitinga não virar "cidade morta"
06/01/2010 - Marcelo Mora - G1

Mais do que voltar para casa e recomeçar suas vidas, os moradores iniciaram na terça-feira (5) uma luta para impedir que São Luiz do Paraitinga, a 182 km de São Paulo, se transforme em uma cidade morta, como as descritas pelo escritor Monteiro Lobato nos contos e ensaios reunidos em seu livro homônimo. Nele, o escritor descreve a decadência econômica das cidades do Vale do Paraíba no século XIX, depois da bonança do ciclo cafeeiro na região.

Com a queda de prédios históricos, com grande parte do seu patrimônio cultural e arquitetônico avariado e com o comércio destruído na enchente do Rio Paraitinga, São Luiz de Paraitinga passou a ter a sua vocação turística e comercial ameaçada e corre o risco de se transformar de vez em mais uma cidade morta, a exemplo dos seus vizinhos.

De volta às suas casas e comércios, para iniciar a limpeza e tentar recuperar algum bem, por menor que seja, os habitantes manifestaram suas preocupações com o futuro do município.


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“São Luiz do Paraitinga atraía os turistas por causa dos prédios históricos e por causa do comércio. Não sobrou muita coisa. Nos próximos meses, não haverá mais turismo e, por consequência, o comércio não venderá da mesma maneira. A cidade vai perder a sua vocação”, disse o analista de sistemas aposentado e dono de uma serraria Benedito Carlos Cabral, de 54 anos.

Cabral disse que tinha uma residência ao lado da igreja que ruiu na praça localizada no centro histórico da cidade, mas que, por ocasião da enchente, estava morando em uma chácara em um bairro mais afastado. “Encheu de água a casa e a chácara. Estou morando no carro”, contou.

“O pior de tudo é que eu saía na rua e já via o relógio da igreja. Agora não tenho mais isso”, disse. Na segunda-feira (4), ele foi à residência no Centro, mas não pôde entrar no imóvel. “Apenas encostei umas telhas que foram arrancadas para perto do muro. Posso precisar delas. Mas o que tinha lá dentro eu perdi tudo”, relatou.

Edivaldo dos Santos, de 35 anos, proprietário de uma pizzaria em uma avenida que margeia o Rio Paraitinga, por muito pouco não perdeu a vida, além do que foi levado de dentro de seu estabelecimento.

“O rio subiu muito rápido. Eu não imaginava que chegaria ao segundo andar do prédio, por isso subimos e ficamos aqui. Eu sabia nadar, mas a minha mulher não. Como eu ia fazer? Vou largá-la? Claro que não. Nos abraçamos e falei que iríamos morrer juntos. Foi quando o bote dos bombeiros encostou e nos tirou daqui. Se tivéssemos ficado, teríamos morrido”, relatou, sobre o drama vivido ao lado da mulher, Marli.

O imóvel onde fica a pizzaria tem dois andares, com cerca de nove metros de altura. Segundo Santos, as águas encobriram o prédio. “Chegou até a laje. Foi assustador. Não consegui entrar ainda, mas perdi tudo, com certeza. Agora, temos de recomeçar”, declarou.

Recuperar a história

O historiador e comerciante João Rafael dos Santos, de 27 anos, contabilizava o prejuízo duplo, o dele e o da cidade. “A história não se perdeu, foi destruída. Cabe reconstruir, buscar os registros, a história oral, para recuperá-la. Mas economicamente a cidade está abalada. Acabou com o turismo, acabou com o comércio”, disse.

Segundo ele, se não houver um esforço por parte dos políticos e empresários, São Luiz do Paraitinga corre, sim, o risco de virar uma cidade morta. “Vai ser mais, como descreveu Monteiro Lobato sobre as cidades do fundo do Vale [do Paraíba]. São Luiz era uma das únicas que atraíam turista, que estava se desenvolvendo na região, por causa do seu patrimônio histórico”, disse.

Ao abrir a porta do mercado que mantinha na frente da praça, Santos deparou-se com uma cena desoladora: lama e destruição para todos os lados. “Calculo de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões de prejuízo”, disse.

Os moradores que tiveram suas casas atingidas pela cheia do rio também perderam praticamente tudo. Sentada em um degrau de uma soleira, dona Benedita Ferreira Pereira, de 75 anos e que morava sozinha em uma residência à beira das margens do rio, aguardava os filhos fazerem a limpeza do local. “Estou sem roupa, sem nada. Estou fora de casa desde o dia 28, quando fui passar o Ano Novo na casa da minha filha em Taubaté”, disse.

Enquanto isso, a filha, Maria Benedita Pereira, com ajuda de irmãos, retirava tudo de dentro da casa da mãe. “Está tudo destruído, não sobrou nada. Deixei a minha mãe lá fora para ela não ver isso, se não é pior”, disse.

Durante a limpeza das casas e dos estabelecimentos comerciais, os entulhos começavam a ser empilhados nas ruas e portas de casas. Por isso, voluntários pediam que empresários enviassem caminhões e escavadeiras à cidade para ajudar na remoção.

Diante do cenário de caos e desolação, ao menos uma pessoa tentava manter a confiança para levar adiante a tarefa de reconstrução da cidade, a prefeita Ana Lúcia Bilardi. Para ela, São Luiz do Paraitinga manterá sua vocação de cidade histórica e cultural e não perecerá, a exemplo dos vizinhos. “Vamos reconstruir tudo. E vamos deixar tudo mais bonito”, afirmou, em tom de promessa.

Buscas

Bombeiros usam cães farejadores para tentar localizar o corpo de um homem que foi soterrado no bairro Bom Retiro, afastado 5 km pela Rodovia Oswaldo Cruz do Centro de São Luiz do Paraitinga, segundo o coronel José Feliz Drigo, coordenador da Defesa Civil estadual. As buscas eram realizadas desde a manhã de terça-feira (5).

O acidente aconteceu no domingo (3), após as fortes chuvas que atingiram e inundaram a cidade. Ao menos 25 pessoas de oito famílias estão isoladas neste bairro. “Elas não quiseram sair de lá, mas conseguimos contato e levamos água, alimentação e material de higiene pessoal”, disse o coronel.

Os trabalhos de escavação pelos bombeiros estão sendo acompanhados por dois técnicos do Instituto Geológico do estado. “É um trabalho muito difícil, porque a instabilidade do solo é muito grande”, afirmou Drigo.

Na área urbana do município, o trabalho da equipe técnica da Defesa Civil, que conta com 12 profissionais em diferentes áreas, é o de monitorar o nível do Rio Paraintinga e de avaliar os imóveis atingidos pela enchente ou que estão em área de risco de deslizamento.

“São pelo menos 600 imóveis afetados no centro histórico. É difícil avaliar quanto tempo vai demorar este trabalho, pois podemos entrar em uma casa e liberá-la em dez minutos, e podemos ficar o dia inteiro avaliando outro imóvel”, disse o coronel.

Eduardo Macedo, geólogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), por sua vez, acredita que todo o trabalho de avaliação das áreas de risco deva durar pelo menos uma semana “São quatro técnicos do IPT e estão vindo mais dois. A mesma equipe que está fazendo o mapeamento da área de risco em São Paulo é a que está aqui”, revelou.

Segundo ele, a vistoria das casas que estão nas encostas é necessária porque muitas estão com trincas. “O mais difícil é convencer as pessoas a não voltarem para suas casas antes da avaliação”, finalizou.

  

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