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DIA A DIA

Carnaval de São Luiz do Paraitinga anima cidade em ruínas
14/02/2010 - Laura Capriglione - Folha de S.Paulo

As cotias do sertão trouxeram alegria e confusão. Não tinha nem amanhecido ontem, e um grupo de foliões do bloco do Juca Telles, o mais famoso de São Luiz do Paraitinga, repetia o ritual de quase 30 anos: reunir-se em um café da manhã no largo do Rosário, para de lá sair chamando o povo para a folia, ao som do tal hino que fala das cotias do sertão.

Só mesmo o Carnaval para levantar, ainda que por pouco tempo, o luto que cobriu São Luiz, cidade do Vale do Paraíba a 182 km de São Paulo.

Nos primeiros dias do ano, a enchente do rio Paraitinga transformou a cidade em represa de 15 metros de profundidade, submergiu 600 imóveis, transformou a igreja matriz em um monte de entulhos, derrubou casarões assobradados de taipa e pilão, desabrigou 90% da população de 11 mil pessoas. As chuvas lavaram memórias da cidade histórica.


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Neste ano não era para ter nada de Carnaval. As paredes de São Luiz ainda estão pensas, escoradas por toras. Ainda se estendem plásticos por toda a encosta urbana do rio Paraitinga -- para impedir que as casas às margens mergulhem na corredeira de águas barrentas. Os moradores ainda reclamam da pressão que subiu, das dificuldades para dormir.

Defesa Civil, prefeitura, engenheiros e Ministério Público acharam que a música dos blocos, movidas a toneladas de decibéis de carros de som como os dos trios elétricos da Bahia, poderia desestabilizar ainda mais o que já não está firme, e proibiu tudo.

O povo até concordou, os turistas foram avisados e a cidade preparou-se para um Carnaval quieto. Mas, na noite de sexta-feira, não resistiu.

Jogou-se atrás dos blocos do Lençol e Misto-Quente (lençol porque os integrantes se fantasiam com lençóis e misto-quente, porque sai todo mundo abraçadinho, como as duas fatias de pão).
"Sem carro de som, sem multidões, por incrível que pareça, ficou melhor. A gente se lembrou de como era o Carnaval daqui antes", disse o músico Luiz Claudio Castro de Paula, 34, subindo a ladeira de pedras com seu surdo e roupas de retalhos coloridos, uma marca do Carnaval luizense.

"No ano passado, era tanta gente, a esmagadora maioria de fora, que São Luiz do Paraitinga ficou parecida com Olinda", lembrou a cantora Suzana Salles, presente todo ano no Carnaval da cidade.

Foi uma grande sacada a que levou São Luiz a se tornar a meca do Carnaval do interior de São Paulo. Em 2001, o então prefeito Danilo Mikilin, aconselhado por músicos da cidade, baniu o axé e o samba do Carnaval. Ali, só as marchinhas.

O fundador do bloco Juca Telles, Benito Campos, 58, lembra que, até a década de 80, a cidade ainda tinha uma escola de samba que fazia carnaval com plumas e paetês. "Mas não funcionava por aqui. A gente cresceu em outra tradição, caipira ouvindo dobrado", disse, referindo-se ao ritmo característico das bandas marciais.

"Turista chegava, ligava o som com Daniela Mercury, e já tomava uma bronca", lembra o professor Marcelo Toledo, 46, historiador e pesquisador. Segundo ele, a cidade enraíza sua tradição de marchinhas na antiga Banda Sinfônica do Santíssimo Sacramento, a primeira do gênero no Vale do Paraíba e em atividade até hoje.

Às 12 horas em ponto, o Juca Telles saiu pelas ruas de São Luiz, como sai em todos anos. Desta vez, sem eletricidade, só tambores, pistões, trombones e a voz dos dos foliões que, bêbados de cerveja, pinga e alegria cantavam -muitos choravam também, de emoção. Depois da catástrofe, a cidade está viva e as cotias cantam.

  

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