Chico Xavier superstar 28/02/2010
- Eliane Lobato* - Revista ISTOÉ
Ator Ângelo Antônio, o médium quando jovem, e Chico psicografando
Uma Minas Gerais agrária e bucólica é o pano de fundo adequado para a história de um menino em constante turbulência interna. Ele ouve vozes e vê pessoas mortas. Tachado de maluco, o garoto, nascido Francisco de Paula Cândido Xavier, sofre muito, especialmente nas mãos de uma madrinha católica que o considera pactuado com o diabo.
A história deste menino que virou o maior médium brasileiro está contada no filme “Chico Xavier”, de Daniel Filho, que estreia no dia 2 de abril, data em que ele completaria 100 anos, se não tivesse desencarnado, como dizia, oito anos atrás.
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O filme — a que ISTOÉ assistiu em primeira mão — é o carro-chefe de uma série de produções e homenagens, como lançamentos de livros, filmes inspirados em obras psicografadas, selo, exposições e seminários. Até uma novela da Rede Globo, que tem o espiritismo como tema, estreia, coincidentemente, no mês do centenário: “Entre Dois Amores”, escrita por Elizabeth Jhin.
O médium, cultuado em vida, ganha, na comemoração de seus 100 anos, visibilidade de superstar e vira fenômeno de mídia, algo que nunca esteve entre suas pretensões.
Se existe mesmo vida após a morte, Chico Xavier deve estar feliz: seu legado ultrapassa, hoje, as barreiras religiosas e ele é reconhecido como o maior líder espiritual que o Brasil já teve.
O espantoso alcance da obra de Chico Xavier explica tamanha agitação em torno de seu centenário. Mesmo quem não acredita em reencarnação, respeita este homem que psicografou mais de 400 livros e doou os direitos autorais de todos eles a obras de caridade.
Chico Xavier viveu em uma casa humilde e levou vida modesta. É de Nelson Xavier, o ator com impressionante semelhança física com o médium e que o interpreta na fase adulta, a síntese de sua existência: “Ele viveu, efetivamente, o ‘amai-vos uns aos outros.’”
O ator admite que o filme modificou suas crenças. “Como todo socialista eu também acreditava que o caminho da violência era o único possível, que os privilégios jamais serão abolidos sem confronto. Mas, agora, penso diferente. O Chico me mostrou que o caminho do amor é que é o único possível.”
A pregação do médium é comparada, hoje, à de Buda: mais ligada a uma filosofia de vida do que a uma religião.
“A doutrina espírita pregada por Chico Xavier esclarece, conforta e consola”, resume o escritor Gérson Monteiro, também diretor da primeira rádio espírita do País, a Rádio Rio de Janeiro, e que vai lançar, este ano, “O que Ensina o Espiritismo” (Mauad). Sua análise coincide com a de Eurípedes Higino dos Reis, 60 anos, filho adotivo e herdeiro da patente Chico Xavier.
“Meu pai não era procurado só por espíritas. Ao contrário, 70% das pessoas que o procuravam tinham outras religiões”, afirma Reis.
A expansão do espiritismo no Brasil está profundamente ligada à figura de Chico Xavier, que, para muitos, surgiu para complementar e atualizar os ensinamentos de Allan Kardec, o pai do espiritismo. O filão literário foi puxado por ele desde que publicou, aos 22 anos, sua primeira obra, “Parnaso de Além- Túmulo”.
Hoje, existem no País aproximadamente 100 editoras especializadas e quatro mil títulos no mercado. Ao publicar obras romanceadas, o médium brasileiro cria uma nova forma, calcada mais na emoção, subjetividade e no lirismo, de apresentar a religião às pessoas.
Antecessores como Kardec e Bezerra de Menezes redigiram, basicamente, livros doutrinários que mais se assemelhavam a tratados de sociologia, um trabalho mais científico e racional.
“O romance espírita é um dos legados de Chico”, afirma Eduardo Realefsky, pesquisador de comunicação religiosa da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ.
“Kardec foi racional do início ao fim. Já Chico, colocou em prática um vasto conteúdo sentimental.”
O médium também é responsável por deixar impressa uma nova visão, quase milenarista, do papel do Brasil dentro do desenvolvimento da doutrina espírita. Em um de seus livros, Chico Xavier defende a ideia de que o País seria o principal veículo para a difusão do espiritismo no mundo.
“Coincidência ou não, o Brasil é considerado o local onde as ideias das religiões tiveram o maior desenvolvimento, ainda que a maior parte dos espíritas permaneça invisível para o IBGE”, diz Realefsky, referindo-se ao Censo de 2000 que aponta como espíritas apenas 3% da população.
Chico Xavier é o autor brasileiro de maior sucesso. Ele já vendeu quase o dobro dos livros de Paulo Coelho, nossa referência de best-seller literário. Seus 458 livros somam aproximadamente 45 milhões de cópias vendidas, segundo Cesar Perri, diretor da Federação Espírita Brasileira.
“Somente ‘Nosso Lar’ tem 2,5 milhões de edições comercializadas em 15 idiomas”, afirma.
Não por acaso, este livro também vai virar filme, sob a direção de Wagner de Assis. E, ao contrário do longa de Daniel Filho, será repleto de efeitos especiais, que foram supervisionados por Geoff D. E. Scott, da empresa canadense Intelligent Creatures (“Watchmen” e “Babel”, entre outros).
“O filme se passa, em grande parte, numa cidade localizada em um outro plano, o espiritual. Este é o maior motivo da grande presença dos efeitos”, explica a produtora Eliane Britz.
“É importante que o público acredite que as ações estão acontecendo em uma cidade praticamente real. Isso é fundamental para a história”, acrescenta ela. A previsão é de estreia em setembro.
Outros três filmes também serão lançados – “E a Vida Continua”, com direção de Paulo Figueiredo, “As Cartas”, de Cristiana Grumbach, e “As mães de Chico Xavier”, com três assinaturas na direção, Glauber Filho, Joel Pimentel e Halder Gomes – todos baseados em obras psicografas pelo médium.
Ao contrário, “Chico Xavier” é o único biográfico. Grande parte da trama foi filmada em Tiradentes, Minas Gerais, onde aconteceram alguns fenômenos.
Certo dia, uma forte chuva que caía sobre a cidade só não atingia o set de filmagem. Quando o diretor finalizou o trabalho e disse “Corta!”, a chuva despencou também no local onde artistas e técnicos estavam.
“Chamo isso de sincronia de sinais”, disse Ângelo Antônio, um dos “Chicos” da produção. Ele se refere não somente a este episódio. O ator conta um outro fato surpreendente.
A pedido de sua mãe, que conheceu o médium pessoalmente, ele interpretou um momento em que seu personagem recebia mensagens. A mãe, então, pediu que ele perguntasse ao espírito de Chico como estava a saúde dela.
“E eu fui escrevendo. Depois, quando fui ler, era uma receita dizendo que ela deveria consumir flor de mamão em determinada hora do dia.”
Ele não sabe por que escreveu aquilo. Mas foi uma indicação certa: “Minha mãe estava com problemas no intestino, embora eu ainda não soubesse”, relembra.
Para registrar estes fenômenos, a editora LeYa lançará outro livro de Marcel Souto Maior sobre os bastidores da produção. “Chico Xavier, a História do Filme de Daniel Filho” chegará às prateleiras também no dia 2 de abril, com tiragem inicial de 50 mil exemplares.
“Conversei com o Tony Ramos, que é muito católico, sobre como foi estar no filme que fala do maior líder espírita do País.
Após a exibição do filme para a equipe, ele era um dos que mais se emocionaram”, conta Souto Maior.
Até personagem de história em quadrinhos o médium será. Com desenhos de Rodolfo Zalla e roteiro de Franco de Rosa, “Chico Xavier em Quadrinhos” (Ediouro) contará a história da vida dele e trará, também, alguns textos psicografados pelo médium.
O jeito calmo, humilde e simples dá a Chico Xavier uma aparência de fragilidade. Para conseguir repassar essa característica em seu filme, Daniel Filho disse ter pedido aos três atores que o interpretam em seu longa para mergulharem no universo do líder espiritual.
“Eles ficaram em Uberaba durante algum tempo. Lá, foram cedidas roupas dele ao Nelson (Xavier) e um perfume ao Ângelo (Antônio). E o garoto (Matheus Costa) não rodou uma cena sem, antes, sentir a essência do perfume que ele usava”, conta Daniel Filho.
Além de todas as obras culturais que divulgarão o nome de Chico Xavier e a doutrina espírita no Brasil, este ano, uma novela da Rede Globo, “Entre Dois Amores”, colocará em confronto a questão da vida após a morte e a ciência.
“Tenho grande interesse pelo tema espiritualidade e pensei que podia trazer para a trama inquietações pelas quais todos passamos: De onde viemos? Para onde vamos?”, diz a autora do folhetim, Elizabeth Jhin.
Ela vai reproduzir a inquietação natural entre esses dois mundos aparentemente antagonistas definitivos, a ciência e a espiritualidade.
Superstar também nas artes cênicas, a peça “Além da Vida” já foi vista, em diversas remontagens, por mais de dois milhões de pessoas – e voltará à cena, em abril, no Teatro Corinthians, em São Paulo.
O ator e diretor do espetáculo, Renato Prieto, monta peças espíritas há 25 anos pelo Brasil afora e diz ser testemunha da fé leiga nos ensinamentos do médium.
“As pessoas vão às minhas peças em busca de respostas: ‘De onde eu vim?’ ‘O que vim fazer aqui?’ ‘Para onde vou após desencarnar?’ E elas saem do teatro com um conceito que as tranquiliza”, diz Prieto.
A esperança e a possibilidade de paz são os principais motes da obra de Chico Xavier. Uma de suas frases mais recorrentes – que ele dizia ter sido formulada pelo guia espiritual Emmanuel – afirma que “ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo. Mas qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim.”
INTÉRPRETES
O filme “Chico Xavier”, de Daniel Filho — ao qual ISTOÉ assistiu em primeira mão —, carrega uma extraordinária carga de emoção e deverá levar muita gente às lágrimas.
Ainda menino, Chico (Matheus Costa) apanha muito da madrinha Rita (Giulia Gam em aparição relâmpago, mas brilhante), que chega a espetá-lo com um garfo na barriga.
Jovem, já na pele de Ângelo Antônio, ele perde um de seus 13 irmãos, justamente o seu “braço direito”, vítima de derrame. No enterro, o pai diz, aos gritos, que ele é uma farsa incapaz de salvar alguém.
O Chico adulto é interpretado por Nelson Xavier — que mais parece uma materialização do médium. E Christiane Torloni assina uma das cenas mais emocionantes quando sua personagem, Glória, entra no quarto do filho que já morreu e, abraçada a uma cama vazia, chora sua dor.
Muitos espectadores vão se perguntar como a atriz, que perdeu um filho num acidente de carro na vida real, conseguiu encarar o papel.
“Ela se concentrou, chorou, reviveu aquilo. Deixou aparecer a dor, deixou passar a realidade. Fico emocionado ao dizer isso porque o filho que ela perdeu era um afilhado meu. E isso, inclusive, foi o que me deu coragem para fazer o convite”, disse Daniel Filho.
Baseado no livro “As Vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior, o roteiro não foge das acusações de falsário que também existiram na vida do médium.
Numa sessão espírita, uma mulher cospe em Chico Xavier dizendo que a carta que lhe entregara como sendo do filho desencarnado era uma grosseira fraude. Também um ex-assistente e sobrinho do médium, revoltado porque o tio o repreendera por cobrar consultas, dá entrevistas dizendo que as conversas com espíritos eram armação.
Por incrível que pareça, um ombro amigo dos mais fiéis, desde a infância, é um padre católico (Pedro Paulo Rangel). No dia em que este padre morre, entretanto, Chico é escorraçado do velório pelo padre substituto (Cássio Gabus Mendes) — que se torna um obstinado pregador contra ele.
Mas nem tudo é tristeza. Também há humor. Como no dia em que o médium decide começar a usar uma ridícula peruca para esconder a calvície ou quando grita tanto dentro de um avião em turbulência que seu guia espiritual aparece para um curioso papo-cabeça. Afinal, não fica bem um médium ter tanto medo de morrer. Ao final, enquanto rolam os créditos, há imagens do próprio Chico relatando o episódio no programa “Pinga-Fogo”, da extinta TV Tupi. O elenco conta, ainda, com estrelas como Letícia Sabatella, Giovanna Antonelli, Tony Ramos, Cássia Kiss, Paulo Goulart e Luis Melo.
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*Colaboraram: Adriana Prado, Caio Barretto Briso, Maíra Magro, Rodrigo Cardoso e Francisco Alves Filho
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Comentário de Assis Utsch (lee.assis@uol.com.br) Em 24/04/2010, 15h39
Chico Xavier - A História ...
Será que os 93% dos cientistas da Academia Americana de Ciências são estúpidos? Porque eles não acreditam em espírito, alma, Deus, santos, céus, etc. Em meu romance O Garoto Que Queria Ser Deus os personagens dialogam permanentemente: Deus existe ou Ele é uma invenção de homens primitivos conservada pelo homem moderno por razões de conveniência? Os livros santos de todos os credos são a fonte da verdade ou eles são apenas mitologias, lendas e fábulas milenares? Se o Universo é Eterno por que precisaríamos de um Criador? As religiões seriam apenas superstições mais elaboradas? E por que os livros ateístias têm tido tanto sucesso? - Carta a Uma Nação Cristã (Sam Harris), Aprender a Viver (Luc Ferry), Tratado de Ateologia (Michel Onfray), Deus Não É Grande (Christopher Hitchens), Por Que Não Sou Cristão (Bertrand Russell), Deus, Um Delírio (Richard Dawkins) e outros.