Preço do álcool explode no atacado, mas cai nas usinas 06/03/2010
- Agência Estado
A menor oferta de álcool no mercado causou uma verdadeira explosão de preços do produto no atacado e no varejo. Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feito a pedido da Agência Estado, mostra que a inflação média do preço do álcool no atacado atingiu em fevereiro o mais elevado nível em sete anos.
No setor atacadista a alta foi de 14,76% em fevereiro, a mais intensa desde novembro de 2002, quando os dois tipos subiram, em média, 19,79%. Com isso, a variação média em 12 meses até fevereiro foi de 39,2%, tanto para o anidro quanto para o hidratado. A expressiva alta destoa da média geral de preços atacadistas, que ainda mostra deflação de 1,83% no acumulado em 12 meses até fevereiro, conforme o acompanhamento do Índice de Preços por Atacado - Mercado (IPA-M).
Porém, ao produtor, o preço já registra queda de 17,35% desde 22 de janeiro, quando registrou a máxima de R$ 1,2055 por litro para o hidratado. No final de fevereiro, os preços pagos na usina pelos distribuidores já haviam caído abaixo do patamar de R$ 1,00, ficando em R$ 0,9963 por litro. A queda dos preços pagos ao produtor não está, contudo, sendo repassada para o preço final na bomba dos postos, o que continua afastando os donos dos carros flex do etanol. “Enquanto o preço recebido pelo produtor caiu cerca de R$ 0,24 por litro em São Paulo ao longo de cinco semanas, o que se viu na bomba foi um recuo de apenas R$ 0,02 por litro”, explicou o diretor técnico da União da Indústria de cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues
PUBLICIDADE
Atualmente, o etanol permanece competitivo apenas nos estados de Mato Grosso e Goiás. Novas quedas nos preços do etanol ao produtor são esperadas para os próximos dias. E mesmo nos postos, em Estados como São Paulo e Paraná, a queda repassada aos postos ficou em média, respectivamente, 2,11% e 2,68%, na semana passada, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Entre dezembro e março, o setor sucroalcooleiro entra em período de entressafra com as usinas deixando de colher cana-de-açúcar. É a época utilizada para manutenção de canaviais e das máquinas utilizadas nas usinas. Tradicionalmente, o setor armazena etanol durante a safra para comercializar neste período.
Porém, a crise financeira que reduziu drasticamente a liquidez das empresas no início da safra de 2009 levou as usinas a desovarem etanol no mercado para conseguirem manter seu fluxo de caixa. “O financiamento oferecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o financiamento dos estoques exigia garantias elevadas demais e que o setor não pode arcar naquela momento”, lembra Plínio Nastari, presidente da Datagro Consultoria.
Cotação do etanol chega a R$ 0,56
Sem recursos para estocar e precisando de caixa, as usinas venderam o produto no mercado o que provocou uma queda nas cotações para um nível abaixo do nível de produção. Entre março e setembro de 2009, as cotações de hidratado ficaram abaixo do custo de produção, chegando ao patamar de R$ 0,56 por litro. “O etanol que seria utilizado na entressafra foi, por necessidade de caixa, vendido no início da safra passada”, disse Plínio Nastari, da Datagro.
Além disso, dois outros fatores afetaram a disponibilidade da cana: aumento na demanda do produto, devido ao interesse crescente na produção de biocombustíveis, e problemas climáticos no centro-sul brasileiro no ano passado, que afetaram negativamente a safra. Isso ajudou a formar um cenário onde a oferta de cana está muito aquém da demanda. A perspectiva de uma disparada de preços no setor foi percebida pelo governo. Em janeiro, a União reduziu de 25% para 20% o porcentual de álcool anidro na mistura da gasolina, na tentativa de conter o avanço da demanda pelo produto.
“Estamos passando por um período de grande desequilíbrio de preços”, resumiu o diretor da consultoria Canaplan e especialista no setor, Luiz Carlos Corrêa Carvalho. Na avaliação do técnico, o que ocorre no atacado e no varejo hoje é reflexo dos problemas enfrentados pelo mercado nos últimos dois anos. Ele comentou que, neste período, o produtor passou por um período de preços baixos, que desestimulou investimentos industriais no campo e, por consequência, levou a uma estagnação na produtividade. “Os preços baixos ajudaram a deixar o produtor endividado e sem condições financeiras de colher a cana no campo”, disse, reiterando que isso ajudou a diminuir gradativamente a oferta.
Na avaliação de Carvalho, a atual crescente demanda por cana e seus derivados deve elevar os investimentos no campo para a produção do item nas próximas safras. Entretanto, considerou que a maturação destes investimentos em resultados mais eficientes de produção no campo vai demorar algum tempo. “Creio que teremos uma oferta mais equilibrada com a demanda somente em 2013”.
Consumidor sente efeitos da crise
A perspectiva de melhora no futuro não muda o cenário para o consumidor, que sente agora os efeitos da crise do álcool. De acordo com o levantamento, a variação em 12 meses no preço do álcool combustível foi de 29,48% até fevereiro, seis vezes superior à inflação média do período, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor - Mercado, o IPC-M (4,73%).
Para o economista da FGV e responsável pelo cálculo dos indicadores de varejo da fundação André Braz, a forte demanda por álcool também foi estimulada por outro fator: o crescente uso de carros flex, que podem ser abastecidos tanto com álcool quanto com gasolina. “Durante muito tempo, o preço do álcool na bomba foi mais atrativo do que o da gasolina, e isso aumentou o interesse dos consumidores por este tipo de carro”, afirmou. “Mas agora, creio que os consumidores não estão mais optando pelo álcool”, comentou.
A assessora de Performance Social da Shell, Ana Paula Fernandes, se encaixa neste perfil. Ela comprou um Renault flex no ano passado, e costumava escolher álcool combustível para abastecer seu carro. Mas tudo mudou no início deste ano. “Os preços do álcool nos postos dispararam. No ano passado eu sempre conseguia abastecer o litro por menos de R$ 2; agora, não consigo mais encontrar este valor em lugar nenhum”, reclama. Ela admitiu que, mesmo preferindo o álcool por poluir menos o meio ambiente, teve que recorrer à gasolina este ano, por uma questão de preço mais vantajoso. “O preço do álcool não para de subir.”
Para o coordenador de Análises Econômicas da FGV, e responsável pelo levantamento, Salomão Quadros, os preços não devem continuar subindo por muito tempo. Na análise dele, a crise de oferta pelo qual o mercado passa atualmente é semelhante a que ocorreu em 2005, que foi intensa, mas também voltou a um período relativamente normal em alguns meses. “Quando o período da entressafra acabar, a oferta vai melhorar um pouco, e os preços devem até a continuar a subir, mas não de forma tão intensa como agora”, afirmou.