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DIA A DIA

Ministério Público pede que Incra explique venda de terra a estrangeiros
29/03/2010 - Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo

Cartórios descumprem lei que determina a realização de registro especial quando áreas são compradas por pessoas físicas e jurídicas de fora do País; governo deveria receber relatórios sobre negociações, mas nem sempre isso acontece

A compra de terras por estrangeiros no Brasil está ocorrendo sem controle das autoridades. A constatação é do Ministério Público Federal, que decidiu cobrar de órgãos da administração do governo o cumprimento de normas legais que determinam a fiscalização dessas transações.

No final do ano passado, ao tentar fazer um levantamento dos negócios de terras com estrangeiros, os procuradores ficaram surpresos com a falta de informações sobre o assunto.


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Os precários dados obtidos por eles, porém, já foram suficientes para mostrar que o capital estrangeiro está sendo despejado em regiões onde o agronegócio é mais vigoroso e dedicado à produção de grãos e cana-de-açúcar.

O Estado que mais recebe compradores internacionais é Mato Grosso, seguido por São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Para melhorar o sistema de informações os procuradores solicitaram à Corregedoria Nacional de Justiça que faça um alerta aos cartórios de imóveis sobre a necessidade de registro especial para negócios de terras com estrangeiros.

Embora seja estabelecido por lei, nem todos os tabeliães e registradores realizam esse procedimento. Parte deles também ignora a determinação de se enviar relatórios trimestrais ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobre o montante de terras que passam para as mãos de controladores estrangeiros.

Em documentos que encaminhou à Advocacia Geral da União, à Corregedoria e outros órgãos da administração federal, a procuradoria defende o controle da venda de terras a estrangeiros com argumentos em defesa da soberania e dos interesses nacionais.

Em um desses documentos, o Ministério Público chega a manifestar preocupação com a formação de enclaves territoriais controlados do exterior. A expressão textual é: "Entidades políticas independentes no seio do território nacional, como ocorre em outros países, criando dificuldades políticas."

O levantamento obtido pelo Ministério Público Federal no ano passado foi encomendado pela procuradora Marcia Neves Pinto, coordenadora da 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão - Patrimônio Público e Social. Ela pediu a um especialista uma perícia sobre a quantidade de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras que detêm terras no Brasil, juntamente com um mapa sobre a localização dessas áreas, Estado por Estado.

O resultado foi incipiente. O perito não encontrou dados acurados no Incra nem nos cartórios. Para piorar, quando tentou cruzar as informações das duas fontes, verificou que uma não batia com a outra. Seu relatório não satisfez, portanto, a curiosidade da procuradora.

Foi por causa disso que, em dezembro, ela começou a oficiar as autoridades federais sobre a necessidade de controle dos negócios. Como ainda não obteve resposta, ela devia iniciar nos próximos dias uma nova investida.

O mérito do relatório do perito, na avaliação da procuradora, foi desnudar a precariedade dos dados sobre estrangeiros contidos no Serviço Nacional de Cadastro de Terras, do Incra. Ele é baseado em declarações espontâneas de proprietários e só atinge pessoas físicas.

Quem acompanha o noticiário de economia sabe o quanto isso está longe de refletir a realidade. Os negócios envolvendo estrangeiros hoje são feitos sobretudo por pessoas jurídicas: empresas baseadas no Brasil, mas com capital majoritário proveniente do exterior.

Do total de 572 milhões de hectares de terras oficialmente cadastradas no Incra, cerca de 4 milhões aparecem nas mãos de pessoas físicas estrangeiras - o que representa 0,71% do total.

Ninguém sabe ao certo para quanto subiria o número se a ele fossem acrescidas as áreas compradas por empresas de capital estrangeiro. Extraoficialmente, técnicos do Incra comentam que seria três vezes maior.

Mesmo precário e reunindo apenas informações de pessoas físicas, o relatório ao qual o Estado teve acesso contém dados interessantes. Além de mostrar que não é a Amazônia que os estrangeiros miram, como se costuma dizer, dá pistas sobre a nacionalidade dos compradores. Quem aparece no topo da lista são os portugueses, seguidos por japoneses e italianos.

Portugueses não precisam de autorização

A predominância de portugueses na lista de pessoas físicas estrangeiras que compram terras no Brasil se deve às facilidades legais oferecidas a eles.

Os portugueses que requerem no Ministério da Justiça o reconhecimento da igualdade de direitos e obrigações, de acordo com o Decreto 3.297, de 19 de setembro de 2001, passam a ser tratados perante a lei como brasileiros.

Não precisam, portanto, requerer autorização especial para comprar terras - como acontece com estrangeiros de outros países, de acordo com a Lei 5.709, de 1971.

Procuradora quer derrubar parecer da AGU

O pano de fundo da investida do Ministério Público Federal para que se retome o controle da venda de terras a estrangeiros Brasil é a polêmica jurídica que se trava em torno da Lei 5709.

Assinada em 1971, no governo do general Garrastazu Médici, ela regulamenta a venda de propriedades rurais para estrangeiros. Define, entre outras coisas, o tamanho da área que pode ser adquirida.

A polêmica nasceu em 1997, quando a lei foi suspensa, em decorrência de um parecer do então advogado geral da União, Geraldo Quintão. Ele disse que, de acordo com a Constituição de 1988, empresas de capital majoritário estrangeiro estabelecidas no Brasil têm o mesmo status das empresas brasileiras. Não estão sujeitas, portanto, a leis que regulamentam atividades de estrangeiros, entre elas a Lei 5709.

O Ministério Público quer derrubar o parecer, que rege as ações dos órgãos administração envolvidos com o assunto. Para isso enviou um pedido à Advocacia Geral da União para que se manifeste.

De acordo com a procuradora Marcia Neves Pinto, coordenadora do Grupo de Trabalho Bens Públicos e Desapropriações, o parecer de 1997 interpretou mal a Constituição e fez tábula rasa dos dispositivos relacionados aos interesses nacionais.

"Se o parecer não for reexaminado e revogado, as empresas brasileiras com capital majoritário ou votação majoritária estrangeira estão fora do controle da lei", disse ao Estado. "Sem isso fica impossível qualquer tipo de levantamento acurado."

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, também defende a revogação do parecer. "É preciso ter regras e limites", disse ele. "Não estou falando de xenofobia, mas de soberania nacional. A terra é um meio de produção finito, que está sendo cada vez mais disputado em todo o mundo."

De acordo com informações do Anuário da Agricultura Brasileira, editado pela consultoria AgraFNP, as terras do Brasil estão sendo cada vez mais procuradas. São consideradas um investimento seguro e com excelente potencial de valorização.

  

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