Ceticismo climático não "pega" no Brasil 22/04/2010
- Reinaldo José Lopes - Folha de S.Paulo
O ceticismo climático, como é conhecida a corrente de pensamento que nega a existência do aquecimento global ou, pelo menos, o papel do homem nesse fenômeno, não "pegou" no Brasil, indica nova pesquisa Datafolha. Mais de 90% dos brasileiros aceitam que o aquecimento é real e, para 75% dos entrevistados, as atividades humanas contribuem "muito" para as mudanças climáticas.
Os dados, obtidos após entrevistas com 2.600 pessoas em 144 municípios de todas as regiões do país, contrastam com os ataques sofridos pela ciência da mudança climática desde o fim do ano passado -- ataques que, em países como os EUA e o Reino Unido, fortaleceram o ceticismo sobre o aquecimento global entre a população.
Os céticos ou negacionistas climáticos, como também são conhecidos, nunca tiveram tanto espaço nos meios de comunicação mundo afora quanto nos últimos meses. A ofensiva desses grupos começou com o chamado "Climagate", como ficou conhecido o vazamento de e-mails dos servidores da Universidade de East Anglia (Reino Unido). As mensagens documentavam anos de correspondência entre alguns dos principais climatologistas do mundo, e os negacionistas viram nelas indícios de que esses pesquisadores teriam tentado manipular dados, ocultá-los de seus opositores ou impedir que eles publicassem visões "alternativas" do tema em revistas científicas respeitadas.
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Gelo
Nenhuma dessas acusações mostrou ter substância, mas a credibilidade da ciência do clima sofreu novos golpes quando, por exemplo, veio a público que os dados apresentados pelo IPCC (o painel climático das Nações Unidas) sobre o fim das geleiras do Himalaia em 2035 não eram resultado de análises científicas, mas tinham vindo originalmente de uma reportagem. As escorregadas levaram à criação de um painel independente para revisar os "padrões de qualidade" do IPCC.
Nada disso parece ter abalado a confiança do público brasileiro. Só 5% dos ouvidos pelo Datafolha acham que a humanidade não tem nada a ver com o aquecimento global, enquanto cerca de metade dos americanos têm essa opinião. Quanto maior a escolaridade, maior a aceitação do aquecimento global causado pelo homem: 96% entre os que têm ensino superior, contra 87% dos que só cursaram o ensino fundamental.
"Os números são impressionantes mesmo quando comparados com os dos EUA e do Reino Unido, ainda mais depois das controvérsias recentes envolvendo o IPCC", diz Myanna Lahsen, especialista em estudos ambientais e políticas públicas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Para Lahsen, a análise do que os meios de comunicação publicam sobre o tema no Brasil indica "grande uniformidade" em favor das causas humanas do aquecimento, o que explica, em parte, a posição da sociedade. "Eu até diria que é saudável ter debates, mas nos EUA [grande centro do ceticismo climático] isso é muito problemático, na medida em que a discussão é criada por elites e interesses financeiros, os quais usam métodos muito manipuladores", afirma ela.
Outro fator importante no país, diz Lahsen, é a importância econômica relativamente pequena das indústrias baseadas em combustíveis fósseis no Brasil. São elas as que mais têm a perder com os cortes de gases do aquecimento global, como ocorre no caso americano.