Críticas do papa a abusos sexuais ficam mais diretas 12/05/2010
- João Batista Natali - Folha Online
Ao afirmar ontem que a igreja corre o risco de corrosão em razão de pecados praticados dentro dela, Bento 16 não adotou apenas uma linguagem clara e explícita na condenação aos escândalos de pedofilia.
O papa também tomou partido de setores da hierarquia católica que exigem mais transparência e, ao mesmo tempo, tentou isolar outros setores mais tradicionais da mesma hierarquia, que enxergam na atual crise simples exagero "denuncista" da mídia.
Joseph Ratzinger tem a política nas veias e provavelmente percebeu que o noticiário recente assumiu proporções que desequilibravam o embate entre as duas formas de reação.
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Os partidários de condenações ao abuso sexual se fortaleceram quando, de uma longa sucessão de informações comprometedoras contra padres, os escândalos chegaram ao episcopado.
Bispos na Bélgica e na Irlanda enviaram ao Vaticano cartas de renúncia ao se confessarem pedófilos ou ao assumirem ter acobertado casos.
Na bola de neve que cresce, sabe-se agora que esses episódios não são tão isolados quanto supunham as primeiras investigações iniciadas há anos na Diocese de Boston (EUA).
De certo modo, o próprio Bento 16 deu sinais de aprovação aos partidários da minimização e do acobertamento quando, em março, ao lado de condenações de praxe aos abusos sexuais, disse que Deus lhe dera "a coragem que não se deixa intimidar pelas fofocas das opiniões dominantes".
Desde então, de forma lenta e por vezes desencontrada, o papa se tornou mais direto e menos metafórico em suas declarações. Foi o caso da viagem apostólica que fez em abril a Malta, quando se reuniu com vítimas de abusos.
Ao escolher ontem falar aos jornalistas que o acompanhavam a Portugal, Bento 16 acreditou ter chegado o momento adequado para subir de tom.
Em tempo: as declarações feitas durante o voo Roma-Lisboa não estavam transcritas até ontem à noite no site do Vaticano. Há a previsão de 19 pronunciamentos do papa nos quatro dias de permanência em solo português.
Uma das interpretações dessa lacuna: Bento 16 preferiu puxar a orelha da igreja por meio da mídia e não pelos canais oficiais de que dispõe.
É também provável que o papa sinta que os casos de pedofilia podem ainda surgir às centenas ou milhares. A caixa de Pandora está com a sua tampa aberta.
Essa falta de limites é constrangedora para os hábitos retóricos do Vaticano, que não pretende individualizar publicamente as acusações como método de exorcizar os maus exemplos. Com isso, resta a impressão de que a igreja continuará a correr atrás do prejuízo, em lugar de se antecipar a ele. Não é fácil ser papa.