Fazenda agora acena com nova rolagem da dívida agrícola 20/05/2006
- Valor Econômico
O Ministério da Fazenda admitiu ontem, pela primeira vez desde o início dos protestos no campo por causa da crise de liquidez e de renda, que estuda um nova renegociação de dívidas rurais, estimadas em R$ 12,6 bilhões. ¨Estamos preparando outras medidas estruturais, mas que vão contemplar mais refinanciamento de dívidas porque o setor não consegue pagar aquilo que contraiu no passado, que ele já vem sofrendo em 2005, e mais alguma coisa para este ano¨, disse ontem, em entrevista ontem à ¨GloboNews¨, o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O ministro defendeu os dois pacotes de R$ 10 bilhões em socorro aos produtores rurais e anunciou as linhas gerais de um mecanismo para minimizar eventuais impactos fiscais ao Tesouro Nacional. O Valor apurou que a medida, idealizada pelo secretário-executivo Bernard Appy, consiste num leilão reverso de contratos de opção privada (Prop). ¨Se o preço baixo, o governo faz preços mínimos. Se ultrapassar um determinado patamar, o governo fica com uma parte desse aumento. De certa forma, estabelece um colchão de regulação para o setor¨, afirmou Mantega.
O mecanismo, dedicado inicialmente à soja, garantiria ao Tesouro o retorno de recursos gastos nas intervenções de mercado com o Prop. Seria uma ¨operação casada¨. A medida em avaliação prevê que, ao comprar o direito de vender sua soja às agroindústrias (Prop), o produtor devolveria ao governo a diferença entre o preço de referência fixados nas opções e uma cotação máxima, a ser determinada nas regras. Um exemplo: se o produtor adquire o direito (Prop) de vender uma saca de soja a R$ 22, que tem um Prop de R$ 6 embutido, mas o preço sobe a R$ 25, ele terá que ¨devolver¨ ao governo os R$ 3 de diferença. Depois, o governo faria um leilão reverso de Prop e venderia seu direito de comprar a soja do produtor à agroindústria. Essa diferença serviria para formar um fundo de financiamento de novas operações futuras de Prop. Nesse modelo, toda a cadeia ganha. O produtor garante um preço acima do mínimo e ainda tem um lucro. O governo compromete menos recursos orçamentários e financia novas operações. A agroindústria garante abastecimento e ainda pode lucrar ao recomprar as opções.
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Nos anos 1980, a extinta Companhia de Financiamento da Produção (CFP), hoje transformada na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), adotava o chamado modelo de preço de liberação dos estoques oficiais. Quando os preços caíam abaixo do mínimo, o governo comprava os produtos. Quando as cotações ultrapassavam um determinado teto, o governo vendia os estoques. Garantia a rentabilidade do produtor e ganhava dinheiro, porque comprava na baixa e vendia na alta. O teto era uma média móvel calculada a partir das cotações do produto nos últimos 60 meses, de cujo valor eram expurgadas as cinco maiores e menores variações de preços.
Indicado por oito governadores para negociar uma solução para a atual crise com o governo federal, o economista Paulo Rabello de Castro gostou da idéia de Appy. ¨Não consta de nossas proposições, mas será bem-vinda uma política anti-cíclica de preços mínimos e máximos para reduzir impactos macroeconômicos externos e internos¨, afirmou. Segundo ele, o setor rural tem interesse em ¨minimizar os impactos¨ ao Tesouro Nacional. Rabello de Castro acredita que o fundo poderia ser gerido por uma agência do Estado que interviesse até o limite de seu orçamento em situações de preços mínimos. ¨Seria uma reedição da antiga CFP¨, lembrou. ¨Isso mostra a inteligência do ministro, que vai buscar mecanismos de política que há muito precisávamos¨.
Apesar do sinal positivo do Ministério da Fazenda e das medidas adicionais de socorro em estudo, as manifestações de produtores pelo interior do país ainda continuavam ontem. Na BR 163, em Mato Grosso, houve confronte entre policiais militares, produtores e caminhoneiros. Uma liminar que obrigava a desobstrução da pista foi cumprida à força pelos PMs. No Paraná, foram registrados 40 pontos de bloqueios em rodovias e cidades, sobretudo no norte e no oeste do estado. Em Goiás, os produtores mantiveram bloqueio parcial nas BRs 364 e 060, próximas dos municípios de Rio Verde, Jataí e Mineiros.