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Os perigos das redes sociais
02/03/2019

A internet e as redes sociais criaram um espaço infinito para a livre circulação de ideias e opiniões. A reboque, nesse território são instalados tribunais instantâneos que elevam ou enterram as reputações de celebridades e gente comum sem a menor piedade.

Nesse meio é possível ter acesso aos mais brilhantes pensadores e conhecer gente bacana para, no clique seguinte, entrar na mira do pior dos criminosos ou ser vítima do mais insuspeito mau-caráter.

Há notícias falsas, mentiras políticas, campanhas de ódio, constrangimentos públicos, agressões verbais, preconceitos, assédios, exposições de intimidade e até tentativa de homicídio usando os canais para aproximação com a vítima.

No caso de repercussão recente mais grave, Elaine Caparróz por pouco não foi assassinada em seu apartamento, no Rio de Janeiro, na madrugada do domingo 17.

Há oito meses ela trocava mensagens de texto e voz por rede social com Vinícius Serra.

O que deveria ser um primeiro encontro regado a queijo e vinho se tornou um espancamento de quatro horas.

Mãe do lutador de jiu-jitsu Rayron Gracie, ela tinha noções de defesa pessoal, evitando ser estrangulada mesmo ferida.

As razões para a agressão não estão claras.

ALVOS FÁCEIS

Pior destino teve Fabiane Maria de Jesus, morta por linchamento em 2014 no Guarujá, em São Paulo.

Ela foi confundida com uma sequestradora que agiria na cidade e que teve o retrato divulgado no Facebook.

Dias depois, foi descoberto que nem sequer a suspeita era ligada ao caso.

Cinco pessoas foram presas.

Distantes entre si no tempo e no espaço, esses crimes brutais tiveram como ponto comum o uso de redes sociais para atingir mulheres.

Estimativas apontam que elas são vítimas de 70% dos ataques nas redes.

Celebridades também acabam sendo alvos involuntários.

Este mês a atriz de telenovelas Marina Ruy Barbosa se viu envolvida como pivô da separação entre os colegas de profissão José Loreto e Débora Nascimento.

Casada, Marina foi transformada na manjada figura machista da destruidora do lar alheio.

Loreto foi mantido relativamente incólume pela inquisição da opinião pública.

Já a atleta do salto ornamental Ingrid Oliveira passou por um linchamento moral mais intenso e que ainda prossegue.

Nos Jogos Olímpicos de 2016, foi divulgado que ela levou para seu quarto o canoísta Pepê Gonçalves, que saiu com fama de “pegador”.

Atacada, Ingrid teve sua carreira prejudicada e hoje está sem patrocínio.

Marina e Ingrid são vítimas de “slut-shaming”, que consiste em humilhar, expor e culpar publicamente mulheres por suas atitudes, sexuais ou não.

A falta de empatia dos insensíveis virtuais não perdoa.

Na cerimônia do Oscar deste ano, Olmo, o filho adolescente autista do diretor mexicano Alfonso Cuarón, foi alvo de trollagem, comentários maldosos e gozações em massa nas redes.

Os trolls cessaram após críticas e alertas.

Uma sorte que não teve o ator Fábio Assunção.

Dependente químico, ele foi filmado em um supermercado visivelmente alterado.

A trollagem com ele foi tão pesada que seu rosto virou máscara carnavalesca.

No campo criminal, há as tentativas de silenciar adversários mediante ameaças.

Foi o que causou a desistência de Jean Wyllys do que seria seu segundo mandato de deputado federal.

Alegando ameaças continua-das, ele anunciou que irá morar no exterior.

Por sua atuação contra Jair Bolsonaro, o rapper Marcelo D2 diz receber até quatro ameaças de morte por dia pela internet e telefone.

Com 900 mil seguidores no Twitter, ele já lançou críticas à direita e à esquerda.

“Não tenho medo”, mas reconhece que as coisas estão ficando perigosas.

Como ensinou o intelectual e romancista italiano Umberto Eco, falecido em 2016, esses comportamentos agressivos contra tudo o que é novo ou diferente são indícios do que chamava de fascismo primordial.

Em “O Fascismo Eterno”, Eco explicou que não é difícil encontrar “apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos”.

E, nas redes, todos sentem-se protegidos pelo anonimato.

“As pessoas ganham coragem para falar o que bem entendem. Acham-se ocultas no meio da massa”, afirma Karen Mercuri, estudiosa de linchamentos virtuais da Universidade Estadual de Campinas.

Os fenômenos gerados pelas redes sociais estão merecendo intensos debates intelectuais sobre suas causas e perspectivas.

Boa parte dos estudiosos considera as agressões, a ditadura do ódio disseminado e a refração às opiniões contrárias uma manifestação de fascismo.

Não no sentido histórico da palavra, mas considerando os princípios que regeram o regime autoritário.

Autora de “Fascismo: Um Alerta”, a ex-secretária de estado americana Madelleine Allbright considera que a disposição de fazer tudo para calar os contrários é mais importante que a ideologia.

“Inclusive lançar mão da força e atropelar os direitos.”

No Brasil, o pesquisador Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, não entende a questão necessariamente como fascismo, que, na sua opinião, envolveria complexidades políticas além das apresentadas no Brasil.

“As reações de intransigência e de pouca argumentação já existiam no mundo off-line.”

A incapacidade de respeitar o outro nas redes começa finalmente a trazer consequências para quem acredita que pode pregar desprezo e sair incólume.

Em janeiro, em São Paulo, o estudante de Direito Pedro Baleotti foi expulso da faculdade após publicar um vídeo em que dizia que “essa negraiada vai morrer, vai morrer”.

Ele também foi indiciado por racismo e perdeu o emprego.

Outra questão complicada inerente às redes sociais é a proliferação das fake news.

Em um ambiente em que ninguém é responsável por nada, elas se multiplicam, especialmente no campo político, onde a manipulação da informação é feita de forma a encaixar o discurso dentro do que quer ouvir o público-alvo.

Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu um exemplo perfeito.

Em um tuíte, ele afirmou que a mídia internacional e nacional só passaram a chamar Kim Jong-un de ditador da Coreia do Norte depois que ele começou a negociar com o presidente americano Donald Trump.

Antes, segundo ele, o coreano recebia tratamento respeitoso.

Araújo queria dizer que, por preconceito contra Trump, a mídia mudou sua forma de classificar alguém com quem o presidente iniciou conversações.

É mentira. Há anos Kim é chamado pela imprensa de ditador.

Uma olhada rápida nos sites de busca prova isso.

Quem checar, verá que se tratou apenas de mais uma tentativa de desmoralizar o trabalho da imprensa.

Em última instância, vale a crítica ácida de Umberto Eco sobre a estridência das redes sociais:

“Deram o direito à fala a legiões de imbecis que, antes, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.

...

André Vargas - ISTOÉ

  

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