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Diretores de escola devem receber contagem especial
06/11/2008
Em sessão realizada no dia 29 de outubro, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.772/DF, após pedido de vista formulado pelo ministro Eros Roberto Grau em 17.4.2008. Recorde-se, por oportuno, que a medida em apreço tinha por objeto a impugnação da Lei 11.301, de 10.5.2006, cujo teor estendeu aos profissionais do magistério em atividades de direção, coordenação e assessoramento pedagógico a contagem especial do tempo de serviço, nos seguintes termos:
“Art. 1º O art. 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 1º:
“Art. 67.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.”
Nessa oportunidade, o Pretório Excelso julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo Procurador Geral da República, conferindo ao artigo 1º da Lei 11.301/2006 interpretação conforme à Constituição, para assentar que os diretores, coordenadores e assessores pedagógicos fazem jus à contagem especial de tempo de serviço, desde que oriundos das carreiras de professor regidas pelos respectivos planos de cargos dos entes federativos.[1]
Tal entendimento culminou com a superação da vetusta jurisprudência do Pretório Excelso, a propalar que “para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula”, tal como constava da Súmula 726. Desse modo, segundo a nova linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria, o período em que os professores de carreira permanecerem no desempenho de funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico, contará para a jubilação especial prevista nos artigos 40, parágrafo 5º e 201, parágrafo 8º, da Constituição Federal.
A decisão lavrada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 3.772/DF, mais do que superar interpretação há muito consagrada na jurisprudência daquela Corte, acabou por implementar entendimento dotado de alto grau de justiça, amplamente respaldado pelos princípios constitucionais da isonomia,da promoção da qualidade do ensino e da valorização dos respectivos profissionais.
Com efeito, o atendimento ao postulado isonômico se constata na medida em que a formação profissional dos professores atuantes em sala de aula é idêntica à dos exercentes de funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico contemplados pela Lei 11.301/2006, assim como são comuns aos referidos profissionais do magistério as condições de trabalho e os fatores de desgaste vivenciados no ambiente escolar.
Nesse sentido, os artigos 64 e 67, parágrafo 1º, da Lei 9.394, de 20.12.1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)[2], impõem, respectivamente, a formação comum dos profissionais em educação e a experiência docente como pré-requisitos para o exercício de qualquer outra função de magistério, tais como as de direção de estabelecimento de ensino, de coordenação e assessoramento pedagógico.
Ao assim estabelecer as bases para a formação dos trabalhadores em educação e os pré-requisitos para o exercício das funções de magistério, a Lei de Diretrizes e Bases teve por escopo a preparação dos referidos profissionais para o exercício de seus diferentes funções em um contexto de problemas, desafios institucionais e clientela idêntico para todas as funções ligadas ao ensino.
E, de fato, a realidade demonstra que as condições de trabalho e os fatores de desgaste profissional afetam de igual modo os trabalhadores em educação, não havendo, portanto, justificativa fática para excluir os exercentes de funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico da contagem especial do tempo de serviço para fins de aposentadoria.
A propósito, os trabalhadores em educação vivenciam em seu cotidiano, problemas inerentes à violência escolar e à realidade social enfrentada pela clientela do ensino público básico. Tal proximidade faz com que os referidos profissionais mantenham-se em constante envolvimento com os alunos sendo, por conseguinte, afetados, em alguma medida, pelas dificuldades inerentes à comunidade.
Dentre as consequências decorrentes do contato direto mantido pela generalidade dos profissionais do magistério com a clientela do sistema educacional, bem como com os problemas sociais e estruturais a afetarem o ambiente escolar, destaca-se a doença psíquica denominada “Síndrome de Burnout”, classificada por Mary Sandra Carlotto como “um tipo de estresse ocupacional que acomete profissionais envolvidos com qualquer tipo de cuidado em uma relação de atenção direta, contínua e altamente emocional.”[3]
Justamente por estarem em constante contato com os alunos, com os problemas destes últimos e, além disso, próximos das dificuldades sociais enfrentadas pelos estudantes e pela comunidade, os trabalhadores em educação passam a experimentar sensações de frustração emocional que tendem a se transformar, progressivamente, em sintomas psicossomáticos.[4]
A realidade demonstra, de fato, que a incidência dos sintomas característicos da Síndrome de Burnout – representadas pela despersonalização, exaustão emocional e falta de envolvimento pessoal no trabalho – atingem os diretores, orientadores educacionais, supervisores de ensino, especialistas em educação, inspetores e professores em percentuais próximos, conforme atestam os dados apresentados por Wanderlei Codo e Iône Vasques-Menezes[5]:
Havendo, portanto, identidade quanto ao desgaste sofrido pelos profissionais do magistério, observa-se que a decisão formulada pelo STF na ADI 3.772/DF, ao reconhecer a legitimidade da extensão da contagem especial do tempo de serviço prevista nos artigos 40, parágrafo 5º e 201, parágrafo 8º, da Constituição para os exercentes de funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico, nada mais fez do que equiparar situações fáticas idênticas, conferindo, pois, aplicação concreta ao princípio da isonomia.
Reconheceu-se, enfim, que o simples exercício das atividades dentro ou fora da sala de aula é fator de discriminação, por si só, inidôneo para legitimar a interpretação restritiva dos artigos 40, parágrafo 5º e 201, parágrafo 8º, da Constituição Federal outrora implementada pelo Supremo Tribunal Federal. Afinal, conforme bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que nela exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo.”[6]
Para além disso, o entendimento adotado pelo STF na ADI 3.772/DF influenciará positivamente na promoção da qualidade do ensino e na valorização dos profissionais do magistério almejadas pelo art. 206, V e VII, da Constituição Federal, porquanto a extensão da contagem especial se traduzirá em incentivo adicional para que os professores de carreira venham a ocupar cargos de direção, coordenação e assessoramento pedagógico no âmbito dos estabelecimentos educacionais.
Importa recordar, por oportuno, que a interpretação plasmada na Súmula 726 do STF acabava por desestimular a nomeação de docentes de carreira para aqueles cargos, obstando, com isso, não só a materialização dos sobreditos dispositivos constitucionais, como também o cumprimento efetivo do artigo 67, parágrafo 1º, da Lei de Diretrizes e Bases:
“Art. 67. (...omissis...)
(...)
§ 1º A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino.”
De fato, a impossibilidade quanto à fruição da contagem especial durante o exercício das funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico, mesmo estando presentes as condições de desgaste presentes em sala de aula, consistia em fator amplamente levado em conta pelos profissionais do magistério anteriormente à aceitação ou à rejeição de nomeações para os referidos cargos.
Nesse sentido, o ministro Sepúlveda Pertence alertou em voto vencido proferido quando do julgamento da ADI 2.253/ES, que “os cargos de direção de estabelecimentos escolares, privativos dos seus professores, hão de ser computados, sob pena de criar graves distorções e, eventualmente, até a inviabilização do provimento desses cargos, reservados aos professores.”[7]
Observa-se, portanto, que o giro jurisprudencial implementado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da compreensão em torno dos artigos 40, parágrafo 5º e 201, parágrafo 8º, da Constituição Federal não só teve como efeito o afastamento de situação notoriamente antiisonômica outrora existente entre os profissionais do magistério, como também acabou por contribuir substancialmente com os postulados da valorização do magistério e da majoração da qualidade do ensino público.
Seja em sala de aula ou fora dela, as atividades desempenhadas pelos profissionais de magistério são significativamente desgastantes a ponto de justificar a contagem especial para fins de aposentadoria, o que impõe a adoção de uma valoração equânime dos referidos trabalhadores nesse particular aspecto.
...
[1] Segundo a tese vencedora, os “especialistas em educação” não estariam contemplados pela contagem especial para fins de aposentadoria, uma vez que os referidos profissionais não exercem atividades de professor, a contemplar o magistério em sala de aula.
[2] “Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.”
(...)
“Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
(...)
§ 1 A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino.”
[3] CARLOTTO. Mary Sandra. A Síndrome de Burnout e o Trabalho Docente.
[4] Nesse sentido, Wanderlei Codo e Iône Vasques-Menezes assinalam que o trabalhador acometido pela Síndrome de Burnout “assume uma posição de frieza frente a seus clientes, não se deixando envolver com seus problemas e dificuldades. As relações interpessoais são cortadas, como se ele estivesse em contato apenas com objetos, ou seja, a relação torna-se desprovida de calor humano. Isso acrescido de uma grande irritabilidade por parte do profissional.” Ainda segundo os referidos especialistas, “associado a esta forma de se relacionar, que se manifesta diretamente no trabalho na relação com o aluno, a dinâmica psíquica do indivíduo também vai sofrendo alterações. Assim, essa dificuldade em lidar com a afetividade se traduz numa lógica mais depressiva em contraste com aquele perfil eufórico do início da carreira [e] com o tempo, a frustração emocional tende a se transformar em sintomas psicossomáticos, como por exemplo: insônia, dores de cabeça, úlcera e hipertensão, além de abuso de álcool ou outras substâncias químicas e o aumento de conflitos tanto familiar quanto sociais. CODO. Wanderlei; VASQUES-MENEZES. Iône. Burnout: Sofrimento dos Trabalhadores em Educação. São Paulo: Instituto Nacional de Saúde no Trabalho; CUT, 2000. p. 29.
[5] Idem, p. 34.
[6] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Edição, 13ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 38-39.
[7] Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.253-9-ES. Relator: Min. Maurício Corrêa. Plenário. DJ: 7.5.2004.
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Paulo Roberto Lemgruber Ebert é advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília e pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília
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