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TÁ LIGADO?
Celular com TV vira "hit" na baixa renda
06/07/2009
Apareceram novas siglas no vocabulário de faxineiros, motoboys, porteiros e auxiliares de escritório que habitam as grandes cidades. São os "mpx" (mp7, mp8, mp9, mp10): telefones celulares contrabandeados da China, que captam a programação da televisão aberta em sinal analógico.
Contrabandeados supostamente via Uruguai ou Paraguai e com preços a partir de R$ 260, esses aparelhos estão se disseminando, para surpresa dos radiodifusores e das indústrias eletrônicas, que previram que a mobilidade da televisão aberta viria com a TV digital.
Eles se tornaram febre de consumo entre profissionais de baixa renda que moram a grandes distâncias do trabalho. "A TV ameniza o estresse da viagem", afirmou o faxineiro Roberto Naves, 32. Morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ele passa quatro horas por dia em ônibus e trens.
A qualidade da imagem é inferior à oferecida pelos celulares com função de TV digital, mas melhor do que a dos televisores analógicos de tela grande. Segundo fonte consultada pela Folha, 100 mil celulares com função de TV analógica foram vendidos, na cidade de São Paulo, nos meses de novembro e dezembro de 2008.
Na capital paulista e no Rio de Janeiro, a reportagem constatou a procura por esses produtos nos shoppings populares de informática e nos camelódromos. Segundo os vendedores, eles já lideram a venda de celulares, no comércio informal. Como entram no país sem pagar impostos, há modelos a partir de R$ 260. As embalagens não identificam o fabricante nem o país de origem. A marca mais presente é a "Vaic", imitação da Sony Vaio -- linha de notebooks da Sony.
Tela sensível ao toque, câmera na frente e atrás, internet wireless e espaço para dois chips são alguns dos atributos dos aparelhos que são vendidos como "mpx". "Cada um põe o "mp" que quer", afirmou uma vendedora de uma galeria popular no centro de São Paulo. A confusão entre tecnologia -mp3 e mp4 são formatos de compressão de arquivos de áudio e de vídeo, respectivamente- e "evolução tecnológica" dá certo.
Quando o celular Nokia de R$ 1.200 do técnico judiciário Mauro Ramirez, 38, deu problemas e teve de ficar dias na assistência técnica, ele seguiu o conselho de um amigo e comprou, por 75% menos, um genérico "com mais recursos". Quatro meses depois, já estava à procura de um novo aparelho, "mais avançado" --o Nokia, já consertado, está "encostado".
Na "meca" brasileira do comércio popular de produtos de informática, é quase impossível encontrar celulares sem TV analógica. Em uma das galerias de Santa Ifigênia, o vendedor Luis Motoyama, 64, puxou a antena do celular "Vaic" e mostrou a tela com sinal meio falho ("lá fora é melhor"). Ele disse vender cerca de 400 aparelhos do tipo por mês, comprados por "jovens entre 15 e 30 anos". Ao menos a cada três meses novos modelos chegam. "Se a gente não vende [os antigos] logo, depois ninguém mais quer."
O serralheiro Antônio Ratão, 52, de Vilar dos Teles, zona norte do Rio, foi presenteado com um desses celulares, com design copiado do iPhone, de R$ 330. Ele usa o aparelho, sobretudo, para ver TV nos momentos de folga do trabalho. O mensageiro Ronaldo Marques, 36, de Paracambi, Baixada Fluminense, pagou R$ 260 por um menos vistoso. Ele disse que muitos passageiros dos trens veem TV durante as viagens.
Opção nacional
A aceitação do produto despertou o interesse de empresas em comercializar o celular, no Brasil, legalmente.
A primeira a se aventurar foi a EUTV, fundada por Yon Moreira, ex-presidente da Telefonica Empresas e ex-diretor da Brasil Telecom. No ano passado, ele obteve a homologação da Anatel para um modelo produzido pela chinesa E-Techco, que está à venda nas lojas e pela internet por R$ 599.
A diferença de preço para o produto contrabandeado, de cerca de 100%, deve-se, segundo ele, aos impostos e à melhor qualidade do material usado pelo fabricante na China. A Anatel também homologou um telefone com função de TV analógica fabricado pelo grupo estatal chinês ZTE, mas o aparelho ainda não chegou às lojas.
Moreira disse que foi "o primeiro atrasado" a perceber o potencial do mercado. Afirmou que, no Brasil, o hábito de ver TV no celular será criado a partir da população de baixa renda e que fabricantes do produto com sinal digital se beneficiarão disso no futuro.
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Elvira Lobato e Natália Piva - Folha de S.Paulo
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