|
TEMA LIVRE : Leonardo Boff
Bento XVI, crítico da cultura
09/05/2007
O que levou Bento XVI ao supremo pontificado foi o fato de ser um eminente doutor e não um conhecido pastor. Representa o típico teólogo acadêmico alemão, cuja faculdade de teologia se situa no interior da universidade do Estado. É a primeira entre todas as faculdades o que lhe permite um discurso transversal, em permanente diálogo com outros saberes. Tal fato confere à teologia em estilo alemão alto nível de criticidade e até uma discreta arrogância de ser a mais profunda e filosofante de todas na Igreja, a ponto de Lutero, ainda em seu tempo, poder dizer que ¨um doutor romano é um asno germano¨.Como teólogo acadêmico, Joseph Ratzinger se envolveu ativamente nas discussões sobre a identidade européia e sobre os desafios a modernidade.
É neste campo que se revela o alcance e também o limite de sua fecunda produção intelectual. Normalmente é assim como os filósofos do conhecimento nos ensinam que a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam e o que cada ponto de vista é a vista de um ponto.
Onde pisam os pés do intelectual Ratzinger e que vista seu ponto permite?
Indiscutivelmente ele pisa o espaço cultural da Europa central, portanto, a partir do grupo de paises hegemônicos no mundo e sua vista depende daquele ponto a partir do qual vê o mundo e a Igreja.Com efeito,não vê na ótica dos pobres e dos oprimidos.
O que pesa em seu pensamento é o lastro cultural formado na escola de Santo Agostinho(+450) e de São Boaventura(+1274), sobre os quais escreveu duas brilhantes teses. Ambos têm isso em comum: o mundo é uma arena onde se enfrenta Deus e o diabo, a graça e a natureza, a cidade de Deus e a cidade dos homens. O pecado das origens produziu uma tragédia na condição humana: esta ficou tão decadente que sozinha não consegue se redimir e produzir uma obra que agrade a Deus. Precisa do Redentor, Jesus, que é continuado pela Igreja, dotada com todos os meios de salvação. Sem a mediação da Igreja, os valores culturais valem mas não o suficiente para salvarem o ser humano e sua história. O mesmo se aplica à libertação de nossa teologia.
Este tipo de teologia leva a a uma leitura pessimista da cultura. Isso se percebe na leitura que o teólogo Ratzinger faz da modernidade. Nela vê antes de tudo arrogância, relativismo, materialismo e ateismo, esforço humano em busca de emancipação por seus próprios meios. Missão da Igreja é desmascarar esta pretensão, levar-lhe clareza de princípios, segurança na obscuridade e verdades absolutamente válidas.
Esta teologia contém muito de verdade, pois há efetivamente decadência na modernidade. Mas esta não poupa também a Igreja que é feita de justos e pecadores. Entretanto, importa alargar o horizonte teológico. Faz-se mister inserir junto com Cristo uma teologia do Espírito Santo, praticamente, ausente em Santo Agostinho e no teólogo Ratzinger. Uma teologia do Espírito permetiria ver no mundo moderno, como fez o Concílio Vaticano II (1965) grandes valores como os direitos humanos, a democracia, o trabalho, a ciência e a técnica. Do anátema a Igreja passaria ao diálogo. Associar-se-ia a todos os seres humanos de boa vontade para buscar uma verdade mais plena, pois o Verbo ¨ilumina a cada pessoa que vem a este mundo¨ e o ¨Espírito enche a face da Terra¨ como dizem as Escrituras judaico-cristãs.
Como o Papa é sumamente inteligente pode bem ser que, face à nossa realidade, veja o que de bom está sendo feito para tirar as pessoas das consequências de uma perversa modernidade que negou a tantos milhões os direitos,a justiça e a vida.
Nova Agenda para AparecidaA agenda estabelecida pela Vª Conferência do CELAM em Aparecida gira a redor do seguimento de Jesus para que todos tenham vida. A presença solene do Papa veio avalizá-la na forma mais alta. Entretanto, nos últimos meses, fatos novos ocorreram, não previstos nos textos preparatórios ao evento, fatos que estão modificando a consciência coletiva da humanidade. Eles representam um desafiam para toda a humanidade e não deixará de afetar também a Igreja universal e continental. Tais fatos são de tal gravidade que deveriam mudar a agenda dos bispos em Aparecida.
A partir de fevereiro, viemos saber com 90% de certeza que o aquecimento global é consequência do modo de produção e de consumo humanos e representa um dado irreversível. Até esse momento a estratégia mundial era de preservar e cuidar da Terra com compreensão, compaixão e amor. E não deveríamos ultrapassar o limite intransponível que transporto modificaria todo o estado da Terra. Esse limite foi transposto: estamos já dentro do aquecimento global que pode variar entre 1,4 até 6 graus Celsius, estabilizando-se possivelmente em 3 graus.
As consequências desta ruptura deverão ser desastrosas: haverá grande degelo e o mar subirá significamente inundando cidades marítimas onde vive 60% da humanidade; os climas serão dramaticamente afetados, ocorrendo grandes secas em certas regiões e incomensuráveis inundações em outras, dizimando em ambos os casos colheitas necessárias para a alimentação humana e animal; a biodiversidade será catastroficamente atingida, ocasionando o desparecimento de milhares de espécies, rompendo o sempre frágil equilíbiro dos ecosssistemas; milhões de pessoas correrão o risco de desaparecer e regiões inteiras da face da Terra se tornarão inóspitas para a habitação humana (grande parte do Brasil).
Estes dados não são fantasiosos mas empíricos, recolhidos pelos milhares de cientistas espalhados em 130 paises que compõem o organismo da ONU chamado Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC em inglês). Duas estratégias são apresentadas como urgentes: adaptar-se à nova situação e minorar os efeitos maléficos.
Este fato muda as prioridades: a questão agora não é tanto o desenvolvimento sustentável, mas a continuidade da da Terra e da Humanidade. A nova centralidade não poderá ser mais: como será a evangelização da Igreja na América Latina e como sustar a evasão de católicos para outras igrejas de cunho pentecostal e popular mas: em que medida as igrejas todas, com o capital espiritual que possuem, ajudam a Terra a ser benevolente para com toda a vida e em que medida garantem um futuro comum para toda a Humanidade.
Os bispos como pastores devem se conscientizar desta nova responsabilidade que deverão assumir: de conscientizar os fiéis e reeducá-los para a nova situação da humanidade. Estarão presentes bispos de toda a pan-Amazônia que recobre parte de nove paises latino-americanos. Sabemos que estas florestas únidas são o fator principal de equilíbrio de todo o sistema climático da Terra, do regime dos ventos e das chuvas. A Igreja, herdeira daquele que disse :¨vim trazer vida e vida em abundância¨, deverá se antecipar em ações responsáveis. Ela tem a vocação de ser a guardiã da vida e da salvaguarda de todo o criado. Aparecida não poderá ficar aquém deste desafio, sob pena de não cumprir sua missão sagrada. E será cobrada por toda a humanidade.
...
Leonardo Boff é teólogo
Compartilhe:
|
|