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TEMA LIVRE : Marcelo Alonso Lemes
Vestibular com liminar?
02/06/2007
Um sentimento incômodo me leva a escrever este artigo. Não quero com ele ensinar pais a educarem seus filhos, ou como estes devem estabelecer suas metas e objetivos. Acredito firmemente que o diálogo familiar é primordial para que os jovens amadureçam suas idéias e busquem o melhor caminho para suas vidas.
O mundo atual é o mundo do imediato, do instantâneo, sem concessões para qualquer tipo de reflexão sobre os efeitos a longo prazo de nossas ações. É o mundo do Big Brother, da fama efêmera, das celebridades momentâneas. É o mundo da Internet, da globalização, das comunidades do orkut e do Second Life. É o mundo em que o objetivo primordial da vida na segunda-feira é saber como será a balada do sábado seguinte. É o mundo do individual acima do coletivo.
Não, não quero ser ácido, nem pessimista, mas é isso que percebo. Claro que quero que os jovens de hoje saiam, namorem, divirtam-se, como eu procurei fazer em minha juventude. O que fica claro para mim são as diferenças nos comportamentos, que obviamente teriam que aparecer com as mudanças ocorridas em nossa sociedade e no mundo, mas que começam a ter reflexos, no caso específico que vou abordar, prejudiciais.
Como professor de ensino médio e pré-vestibular, há 15 anos, procuro preparar os alunos para que prestem um bom vestibular e possam cursar as faculdades que escolheram. Fico extremamente feliz quando encontro ex-alunos que hoje são advogados, professores, assistentes sociais, agrônomos, engenheiros, médicos, veterinários, arquitetos, enfim, alunos que estão buscando em suas profissões seu espaço neste mundo cada vez mais competitivo do mercado de trabalho.
O que me deixa perplexo é o fato, cada vez mais comum, de alunos que ainda não terminaram seu ciclo no ensino médio serem aprovados em vestibulares e ingressarem na faculdade. São alunos que ainda estão cursando o terceiro, o segundo e, pasmem, tenho uma aluna que cursa o primeiro ano, todos do ensino médio, que já foram aprovados no vestibular e estão ingressando na faculdade. É mandado de segurança, liminar, qualquer coisa para garantir a vaga na faculdade.
Muitos dirão que não tenho nada a ver com isso, é uma questão, como disse anteriormente, discutida em família, mas como um aluno terá bom desempenho na faculdade se não aprendeu todos os conteúdos do ensino médio? Conheço um aluno que foi aprovado para Agronomia e cursa o segundo ano do ensino médio. Cursará a faculdade pela manhã e concluirá o ensino médio à noite. Será que não haverá uma sobrecarga de estudo? Como ele estudará na faculdade solos, botânica, taxonomia, se ainda estará aprendendo sobre os assuntos no curso noturno? Ou será que é mais um daqueles cursos de ensino médio, que proliferam hoje em nosso país, onde você só faz a prova e é aprovado? Será que os pais não pensam nisso? Será que foram contaminados também com o “vírus da pressa”?
E a faculdade que os aceita? Sei que está cumprindo uma decisão judicial, mas por que não modifica o edital do concurso? Porque não exige a obrigatoriedade da conclusão do ensino médio para que possa ser classificado como aprovado? Ou será surpresa saber que a totalidade desses alunos ingressou em faculdades particulares? Em que estamos pensando: formação profissional ou dinheiro?
O que quero colocar em discussão é justamente essa prática nociva de precipitar os acontecimentos, de antecipar eventos que ocorrerão no momento oportuno. Estamos gerando jovens cada vez mais ansiosos, inseguros de suas capacidades. Ora, se um aluno foi aprovado num vestibular de inverno (junho/julho), quando ainda está na metade do seu terceiro ano do ensino médio, por que não o será no vestibular do final do ano? Sorte? Ou será que, uma vez aprovado no vestibular na metade do seu último ano do ensino médio, o aluno “relaxará”, por já haver cumprido seu dever? Será que ele não deve continuar estudando com afinco, para que seja aprovado na universidade dos seus sonhos?
Se continuarmos com essa cultura do imediatismo, da pressa, da afobação, da não-reflexão sobre a formação educacional dos jovens de hoje, estaremos relegando a toda uma geração um comportamento temerário e, em certos casos, irresponsável.
Provavelmente, se prevalecer tal paradigma em nossa sociedade, o próximo passo será impetrar um mandado de segurança para que Deus antecipe a gestação para quatro meses, coincidindo com a licença-maternidade, afinal, nessa parte de Sua obra houve exagero, nove meses é tempo demais.
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Marcelo Alonso Lemes é professor de Geografia
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