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TEMA LIVRE : Eduardo Mahon
Remotas possibilidades
09/08/2007
Nas inúmeras possibilidades que podem ocorrer num governo, uma delas é o assombro da opinião pública voltar-se contra o administrador. Isso demanda que haja independência institucional entre as verbas publicitárias e o governo, além de haver aparato humano que pense e se posicione. Avançando nesse caleidoscópio da probabilidade, vamos ilustrar o que seria um triste fim para um executivo.
Uma opinião de qualquer tributarista vem abalar a credibilidade de um governo estadual? Parece que, frente às evidências conjunturais, não haveria alegação criativa que desfaça o que a realidade já se incumbiu de aclarar – isentar ou anistiar empresa privada, sob argumento de arrematá-la, após, sem o passivo tributário é bastante delicado para a imagem de um governante. Todavia, quando se trata do mandatário em exercício, aí é improbidade administrativa na certa, somado aos crimes contra a administração pública.
Mas...dificilmente ocorre um malabarismo desses, sem que vários envolvidos tenham que passar por um processo de hipnose coletiva que leva à mais absoluta amnésia.
Vamos imaginar que um governador que também é empresário promova uma faxina fiscal numa empresa deficitária, com o passivo de duzentos e quarenta milhões de reais. E, quando o governador anistia o débito gratuitamente, o empresário aproxima-se para petiscar uma fatia do bolo ou o bolo inteiro. Noutras plagas, seria um crime inominável, uma das maiores fraudes fiscais ao tesouro público, sendo o erário golpeado pelo próprio gestor, agravada a pena pelo fato de que foi justamente na gestão do administrador que o empresário utilizou-se do poder inerente ao cargo para fazer um bom negócio para si mesmo.
Uma demissão de funcionário de alto escalão, responsável não por outro encargo que não seja a manutenção da fiscalização interna do governo, trabalha convenientemente na mesma empresa privada que contou com a colaboração do empresário-governador? Pois é, certamente nas fábulas esse funcionário ficará com toda a responsabilidade por funcionar como ponte entre os interesses públicos e privados, sem que o caldo escorra e manche a imagem do administrador. É conveniente, mas em tempos de esquecimento, os desmemoriados dominam bem o aparato público para manipular forças policiais e acusatórias contra uns e outros, salvando-se do fogo que arde.
Mas vamos além, no fértil terreno das conjecturas que é sempre movediço. Imaginemos que tal fato já tenha se dado, guardadas as proporções, no meio ambiental, onde foi preferível queimar-se um secretário que o próprio governador. Assim, os delitos ambientais que envolviam o desmatamento para aproveitamento da madeira e aumento da área de soja, foram convenientemente polarizados num subordinado. E, agora, ocorre uma coincidência igualmente insólita – justamente o fiscal do governo trabalha na mesma empresa que foi anistiada graciosamente pelo empresário que quer comprar a companhia e, por outra coincidência, também é o próprio governador.
Se fosse confirmada a estória, não era necessário o inquérito policial para que a classe política ingressasse com um pedido de afastamento do governador, o Ministério Público denunciasse o escândalo e o Tribunal de Contas reprovasse categoricamente a manobra que lesa o patrimônio público, tudo pela concupiscência do empresário que, por uma promessa e romaria, virou governador.
Provavelmente, no estudo de tais hipóteses, o leitor deva estar assustado não com a maracutaia em si, porque é uma constante no cenário político nacional – mas o que espanta é a incapacidade de reação de uma sociedade que tem reféns alguns órgãos de fiscalização, controle, veto, contenção de poder, numa única palavra. É justamente prevendo essas remotas possibilidades, é que sempre nos batemos por uma maior isenção, um afastamento político e institucional mais conforme às atribuições fiscalizadoras de cada qual. Por isso mesmo, a máxima desse advogado – com o governo, apenas para governar! Daí restarem opinião pública e Ordem dos Advogados, infelizmente solitárias na missão de vocalizar pela sociedade. Vamos ver qual delas permanece firme – rogo que ambas.
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*Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília
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