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O Outro Lado Porque tudo tem dois, menos a esfera.

TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto

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Hélio Lopes: meu olhar mato-grossense
24/09/2007



Cheguei em Cuiabá no dia 24 de julho de 1984. Nesse dia, nos corredores da TV Centro América, cruzei com um índio de cara amarrada, que não se deu nem ao esforço de me cumprimentar. Eu ia encontrar Eduardo Ricci, então chefe de jornalismo da emissora, onde iria trabalhar como repórter. “Liga não, Valéria, é timidez”, justificou Eduardo. Foi ele quem me contou que Helinho era câmera e, antes, tinha sido auxiliar, fazendo o caminho percorrido por milhares de cinegrafistas do interior do Brasil, no início dos anos 80. É que, naquele tempo, câmeras, fitas e baterias ocupavam espaços distintos do equipamento ligados por cabos. Onde ia o câmera, ia o auxiliar, carregando o gravador e apetrechos afins.

Sei que ele estava lá, era cinegrafista e, teoricamente, um dia, cairia na minha equipe. Isso se não fizesse tudo o que podia para trocar com alguém, mudar a escala. Cismou que não ia me aturar. A coisa era tão séria, que chegou a virar piada na emissora. Até que um dia...Não teve escapatória. Ninguém podia substituí-lo. Confesso que me aproveitei da situação e torturei o cara. Sempre em tom de brincadeira. Mas que judiei, judiei. Pedi ângulos inesperados, dei palpites na captação das imagens. Tudo que, já tinham me contado, ele detestava que fizessem: se metessem no seu trabalho.

Nunca podia imaginar que Helinho estava entrando na minha vida para sempre. Que seria meus olhos e me surpreenderia com imagens especiais em cada dia que trabalhamos juntos. E foram muitos. Aprendemos juntos. Inventamos juntos. Brigamos, discutimos e criamos. Traduzimos, registramos e... sonhamos. Alguns sonhos se tornaram realidade e fui muito feliz em partilhá-los com ele. Sua família, sua casa, nossos amigos, os projetos em comum que realizamos. O prazer de reencontrá-lo a cada ausência, como se fossem dias ou minutos os anos que estive longe dele. Sua alegria, nosso abraço. Sempre apertado.

Nas externas, trabalhando, chegou um momento em que não falávamos mais. Bastava um olhar, um aceno, para que meu texto fosse a sua imagem e vice versa. Para mim, é fácil reconhecer o olhar de quem, por muito tempo, sentiu e traduziu em imagens a Cuiabá e o Mato Grosso que trilhamos juntos por quase 20 anos.

Tudo isso existe, é real, e parte está guardada. Espero que muito bem guardada. Impressa em centenas de horas imagens de telejornais e documentários das principais emissoras e produtoras da capital por onde Helinho passou, ganhando prêmios como o conquistado por “Caçada”, reportagem da TV Gazeta, no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, em 1997. Suas imagens correram mundo. Seu nome apareceu em telas de todo o Brasil, de Santiago do Chile, Londres e Bangkoc.

Lembro a alegria de Hélio por poder operar a câmera de cinema Super 16 mm com que rodamos parte do material do curta metragem “História Sem Fim... do Rio Paraguai- o relatório”. Helinho era o responsável pela câmera de vídeo, mas nas cenas em que o diretor Lula Araújo aparece, era ele quem fazia a fotografia. Durante toda a viagem, ele me dizia que não estava satisfeito com o material que estava produzindo em vídeo, que faltava algo especial, sem notar que o conjunto da sua obra por si só e o fato de estamos juntos ali, era simplesmente sensacional. É claro que seu material é primoroso...

Nos últimos anos, longe de Mato Grosso, sem seu “olhar cuiabano” para imprimir em vídeo os meus delírios e registros, tive que procurar outros meios para exprimir minhas imagens. Comecei a levar a sério a fotografia, enquanto capto para o “Sem Fim...do Pantanal”. Era nele que, pensei, reencontraria Hélio Lopes, numa nova viagem mágica por municípios pantaneiros, talvez no ano que vem.

Mas ele veio antes, de uma maneira inesperada e dolorosa. Está aqui comigo, nas lágrimas que insistem em sulcar meu rosto funcionando com um filtro milagroso que traz Helinho para os olhos de todo mundo que, neste momento, lamenta sua ausência. Essa nova lente, que se incorpora a minha visão, veio para ficar. Ser presente e especial. Agora, eu o tenho no meu olhar e, através das minhas imagens, presentes e futuras, o que aprendemos e vivemos juntos continuará a existir. Para sempre...

...

*Valéria del Cueto é jornalista e cineasta


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