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TEMA LIVRE : Lúcio Flávio Pinto
Os advogados da floresta
01/12/2007
Pela primeira vez um escritório de advocacia do Pará (e talvez da Amazônia) conquistou notoriedade nacional. A revista Exame, a principal publicação de negócios do país, que a Editora Abril mantém há 40 anos, dedicou duas páginas da sua última edição quinzenal do mês passado ao escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff.
Na foto, tendo ao fundo o parque zoobotânico do Museu Goeldi aparecem os oito sócios, que passaram a comandar outros 79 advogados quando fundiram seus diversos escritórios num só
O resultado foi terem fundado o maior escritório de advocacia de toda região norte e o 30º do país pelo critério de advogados que nele trabalham. Mas, segundo Exame, na hora de cobrar, seus honorários chegam a custar ¨20% a mais do que o cobrado por um escritório de primeira linha de São Paulo¨. Daí o faturamento anual de 80 milhões de reais. Muitos outros advogados devem ter lido a informação com muita surpresa e alguma incredulidade.
Em primeiro lugar, por causa das lentes distorcidas do ceticismo, com as quais o Sul Maravilha vê o Norte Primitivo, onde não podem surgir tantos e tão bons advogados assim. Em segundo lugar, por uma pergunta que deriva da mesma distorção: quem pode pagar tanto assim na fronteira amazônica? Não são muitos, são poucos. Mas estes poucos podem pagar muito. Com esse estímulo, excelentes profissionais perceberam que, unindo suas competências, poderiam mais ainda. Inclusive cobrar honorários de Primeiro Mundo brasileiro.
Observa Exame que o escritório Silveira, Athias ¨ganhou a configuração atual há oito anos, em meio ao processo de privatização das estatais¨. Como sempre, a revista quase acerta. Foi há mais de 10 anos, quando começava a se delinear não a privatização de estatais em geral, mas o principal dos seus itens, a jóia da coroa: a venda do controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce.
Hoje, maior empresa privada do Brasil (e primeira em geral, pelo critério de valor de mercado), ela tem no Pará um peso maior do que no país. Sua capacidade de investimento é 10 vezes maior do que a do governo estadual e 85% do comércio exterior paraense, que é o sétimo maior do país e o terceiro maior pelo critério do saldo líquido de divisas, é controlado por ela. Nenhuma outra empresa tem tanto peso num Estado quanto a CVRD no Pará.
A súbita transferência das maiores riquezas minerais da Amazônia (e do mundo) a uma única empresa, que absorveu também um sistema logístico como há poucos iguais em qualquer outro lugar (se é que há um igual, relativamente falando), desencadeou uma nova corrida de negócios, em escala monumental, amazônica. Entre os grandes clientes do escritório Silveira, Athias está a Alcoa, que desenvolve um conjunto de projetos capaz de estabelecer sua forte presença na região.
O grande mérito dos sócios do escritório foi o de terem saltado do plano doméstico para a amplitude internacional no momento certo. Para o tipo de trabalho que passaram a fazer, eram as pessoas certas nos lugares certos no momento certo: a maioria deles estava saindo de função pública, demitindo-se de um cargo que constitui um dos sonhos dos servidores públicos, a Procuradoria Geral do Estado. Pularam o balcão da defesa do Estado para o outro lado, carregando consigo uma rica experiência (que inclui alguns ¨pulos do gato¨), potencializada por seus méritos profissionais indiscutíveis.
Esse processo não é exatamente novo na Amazônia, região que primeiro se internacionalizou e só depois se nacionalizou, a mais tardia do Brasil. Antes da corrida ao rico subsolo da região houve o boom da borracha, estabelecendo conexões internacionais sofisticadas. Empresas estrangeiras, hoje cobertas pelo título de multinacionais, vieram para a jungle e precisaram criar seus despachantes jurídicos (além dos abridores políticos de portas). O mais exímio no primeiro serviço foi o advogado Samuel Mac-Dowell e o mais eficiente no segundo foi o financista (e governador) Paes de Carvalho, que, ao morrer, em Paris, era mais influente entre banqueiros europeus do que entre eleitores paraenses.
Octávio Meira foi o sucessor de Mac-Dowell na fase seguinte e Achilles Lima lhe deu continuidade quando as multinacionais lato senso chegaram para fazer a varredura de minérios. Mas nenhum deles adquiriu a expressão do Silveira, Athias, mesmo porque a Amazônia nunca foi tão internacionalizada quanto agora. Tanto que os grandes escritórios até ontem ficaram muito para trás no quadro de referências, reduzidos a uma dimensão doméstica.
Talvez Exame também não tenha captado exatamente a razão dessa mutação quando, no final da reportagem, afirma que a expertise do Silveira, Athias está em entender bem a floresta. Provavelmente é uma combinação mais complexa, que envolve a floresta como está e a floresta como deixará de estar, o que é e o que vai ser – ou o que vai sobrar.
...
*Texto originalmente publicado na edição da segunda quinzena de novembro do Jornal Pessoal
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