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TEMA LIVRE : Pra Seu Governo
Da importância de ser chefe da Casa Civil
10/04/2008- Pedro do Coutto*
O título, claro, está inspirado na peça de Oscar Wilde, ¨Da importância de ser Ernesto¨, exibida em Londres no final do século 19, antes do confronto judicial com lorde Alfred Douglas, pai de Boisie, que o levou à prisão e à morte prematura aos 46 anos. Transponho as palavras do notável escritor para o plano político brasileiro dos últimos 60 anos e chego à extrema importância de que se revestem aqueles que chegaram à chefia da Casa Civil da Presidência da República.
Agora mesmo um episódio relativo a contas corporativas coloca em choque a ministra Dilma Rousseff e parte do Congresso Nacional, comprovando a sensibilidade do cargo. Ao afirmar que não comparecerá à CPI dos Cartões Corporativos, a titular do Gabinete Civil do Planalto faz exatamente o que a oposição deseja: aprofundar e prolongar o debate sobre o tema. Mas falei da importância da função. Aliás, posto da mais absoluta confiança do presidente. Quem o ocupa, no fundo, tem sobre seus ombros uma ponderável parcela de poder.
Por isso mesmo, os exemplos de situações difíceis ocorridas são muitos. No governo Dutra, o chefe da Casa Civil era o professor Pereira Lira. Sua atuação centralizadora criou várias polêmicas com repercussão na imprensa. A mais grave delas com o jornalista Geraldo Rocha, que o atacou diariamente durante quase todos os cinco anos de governo, no jornal de sua propriedade, ¨O Mundo¨, que desapareceu no tempo. No período de Juscelino Kubitschek, fase inicial, outro problema bastante grave. Atendendo a pedido de Paulo Bitencourt, proprietário do ¨Correio da Manhã¨, grande jornal da época, e de sua mulher, Niomar Moniz Sodré, JK nomeou Álvaro Lins, sem dúvida um dos maiores editorialistas da imprensa brasileira.
Mas Álvaro Lins foi traído pelo narcisismo. Deslumbrou. Um dia, convocou reunião ministerial em sua sala no Palácio do Catete. Em outro, deixou Niomar - logo quem - esperando duas horas na recepção. Por causa da reunião, ¨O Globo¨ saiu com um editorial duríssimo na primeira página, escrito por João Neves da Fontoura, apontando a contradição e a invasão do espaço presidencial. Álvaro Lins confundiu os limites. E esqueceu que Paulo Bitencourt e Niomar Moniz Sodré foram os autores de sua indicação ao presidente, que pouco o conhecia. O ¨Correio da Manh㨠rompeu com ele.
Num terceiro estágio desastroso, ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, o jornalista deixou Kubitschek esperando por sua chegada por mais de uma hora. Foi um constrangimento geral. Os acadêmicos ficaram perplexos. Sentindo a inviabilidade de Lins, Juscelino nomeou-o embaixador em Portugal para afastá-lo. Mas naquele país, terminaria criando uma série de atritos com o governo de Lisboa. Álvaro Lins era um homem muito culto. Administrativamente um desastre. Flutuava. O chefe da Casa Civil de João Goulart durante um tempo foi Darci Ribeiro. Outro narcisista. Intelectual brilhante, porém um sonhador.
A política não é um campo para delirantes e ficcionistas. Sua atuação radicalizadora muito contribuiu para desestabilizar o governo e o presidente. Entusiasmou-se demais com o posto. Rompeu limites. Um desastre também. No governo Médici, o cargo foi ocupado pelo professor Leitão de Abreu, direitista. Além disso, mandava demais. Entretanto, não criou problemas maiores. Decidia além da conta, mas Médici e o sistema militar de poder o aceitavam como quase um co-presidente. Depois de Médici, veio Ernesto Geisel.
Chefe da Casa Civil, Golberi do Couto e Silva. Incorporou o papel de Cássio na peça de Shakespeare, chegando ao ponto - como revela Elio Gáspari em sua obra sobre a ditadura - de mandar gravar as conversas telefônicas do presidente, inclusive em sua residência. Não é preciso dizer mais nada.
O chefe da Casa Civil gravava os diálogos de César e arquivava as fitas. Estão com Gáspari, penso eu. Saltemos de Geisel para Lula e ingressamos na era José Dirceu. Inflou demais. Mandou mais ainda. Passou a tecer articulações até na área internacional. Capitão do time, na definição de Lula, avistou-se com Fidel Castro, Hugo Chávez, Condoleezza Rice.
Ofuscou o chanceler Celso Amorim. Sua força era tanta que, um dia, mandou o ministro Ricardo Berzoini desculpar-se publicamente pelo erro que cometeu de colocar na fila de recadastramento idosos de 90 anos para cima. Dirceu agia de forma imperial. Berzoini deveria ter se demitido da Previdência Social. Não o fez no momento oportuno. Lula o transferiu para a pasta do Trabalho. José Dirceu terminou sendo demitido, quando do confronto com Roberto Jefferson no caso do mensalão.
Acabou tendo o mandato de deputado cassado. Lula não o defendeu. Ao retornar ao Legislativo, disse que iria continuar governando o País ao lado do presidente. Não continuou. Foi substituído por Dilma Rousseff, que deu equilíbrio ao Planalto. Mas agora tem pela frente o episódio da divulgação das contas feitas por cartões corporativos na administração FHC. Sua secretária executiva, Erenice Guerra, mudou o curso dos acontecimentos.
Surpresa? Talvez. Mas surpresas acontecem na política. A ministra Dilma Rousseff não deseja comparecer à CPI. Comete um equívoco para consigo mesma e para o governo. Indiretamente, porém, fortalece Lula ainda mais, deixando-o completamente sozinho no panorama do PT. Um panorama para 2010.
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*Artigo transcrito do jornal ¨Tribuna da Imprensa¨
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