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TEMA LIVRE : Xico Graziano

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Caldo azedo
21/10/2008

Finalmente se impõe a primavera. Na estação das flores, dias ensolarados, mais longos e quentes, prenunciam chuvas abundantes. Pelo interior do País, os agricultores zunem seus tratores. Chegou a hora de semear a safra.

Vai bem a agropecuária brasileira. Recordes de produção se anunciam desde quando, na década anterior, se estabilizou a economia. Antes do Plano Real, com inflação galopante, mais valia a pena cultivar o dinheiro na ciranda financeira que arriscar no plantio. Depois, felizmente, o ganho fácil da especulação cedeu lugar ao trabalho duro da roça. Capitalismo de produção no campo.

Nesse processo, fundamental foi a chegada da taxa fixa de juros no crédito rural. Acabava assim, em 1999, a ¨sopa de letrinhas¨, conforme a denominou Ronaldo Caiado, esconjurando aqueles infernais índices (ORTN, TJLP, TR, IGPM, etc.) que pretendiam corrigir a inflação passada, atualizando os financiamentos rurais. O produtor rural financiava um trator e, em três anos, devia quatro. Depois, com o Moderfrota, programa de investimentos em máquinas e implementos agrícolas, tudo mudou. Para melhor.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a próxima safra de grãos, cujo plantio agora se inicia, alcance 144,5 milhões de toneladas. Tal volume supera em 86% o patamar médio de produção agrícola verificado entre 1995 e 1999. Isso mostra que, ao virar o milênio, passado o tranco causado pela estabilização da moeda, a agricultura manteve elevada taxa de crescimento, bem acima da economia em geral.

O maior volume de produção agrícola serviu para abastecer o mercado interno e, ao mesmo tempo, ganhar o mundo. Entre 1995 e 1999, o valor médio das exportações anuais estava em US$ 21,7 bilhões. No ano passado, a balança comercial do agronegócio apontava uma receita externa de US$ 58,4 bilhões, um acréscimo de 170% no período. Incrível.

Supimpa ocorreu com o superávit comercial do agronegócio. O saldo das exportações, menos as importações, passou de US$ 6,8 bilhões, média de 1995 a 1999, para US$ 49,7 bilhões em 2007, um fantástico acréscimo de 635%. O suor do agricultor paga as contas externas do País. Poucos sabem disso.

Todas as faixas de produtores - grandes, médios e pequenos - participam desses excelentes resultados da economia rural. Duas razões explicam tal desempenho: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o revigoramento do sistema cooperativista.

Criado em 1996, no governo de Fernando Henrique, o Pronaf tem sido aperfeiçoado, assegurando que uma fatia crescente do crédito rural passe a ter destino carimbado aos pequenos agricultores. Nesta safra que se inicia, o crédito da chamada agricultura familiar monta a R$ 13 bilhões, a serem distribuídos a 2,2 milhões de unidades rurais. Antes, somente os grandes fazendeiros abocanhavam o tutu oficial.

Quanto ao cooperativismo, sua profissionalização implantou eficazes modelos de gestão solidária. Algumas unidades, geridas com compadres, soçobraram no difícil caminho da concorrência. A maioria, entretanto, especialmente no Sul e no Sudeste, mais Goiás, fortaleceu-se no mercado da agropecuária. Pertencem ao mundo do cooperativismo 870 mil pequenos e médios agricultores.

A recente inquietação do mercado financeiro mundial lança incertezas sobre toda a economia, freando os investimentos. Na agricultura, obviamente, sentem-se as turbulências internacionais, afetando o fundão do País. Estaria ameaçado o ciclo virtuoso da expansão agropecuária no Brasil?

Não parece. Várias dúvidas, claro, povoam a cabeça dos empresários rurais. Três delas se apresentam mais angustiantes. A primeira recai sobre a oferta de crédito no mercado dominado pelas tradings; afinal, as empresas multinacionais ofertam boa parte do financiamento das lavouras, principalmente em Mato Grosso. Esse mecanismo assegura adiantamentos em espécie ao produtor rural, amarrados ao recebimento na colheita. Vêm desse esquema os contratos apelidados de ¨soja verde¨.

Segundo, ninguém sabe ao certo o que vai acontecer com a demanda internacional de alimentos, especialmente com as volumosas compras advindas da China e demais países asiáticos. A alta no preço internacional das commodities já havia balançado o mercado mundial de proteína animal e vegetal. Agora, a dúvida aumentou.

Terceiro, os produtores quebram a cabeça para descobrir como estará sua planilha de custos e receitas ao final da safra, na época da colheita. Os fertilizantes subiram assustadoramente, os preços começaram a desabar lá fora. Será que a desvalorização do real vai compensar a perda no lucro das exportações?

Aqui, na rentabilidade, mora o grave problema da agropecuária, podendo azedar o caldo da produção. O prejuízo vai perseguir especialmente quem estiver enroscado no endividamento. Esse terrível fantasma teima em não abandonar a roça, acariciado pelos malandros de sempre, que recebem empréstimos e jamais quitam seus débitos, maculando o setor perante a opinião pública. Logo começa a perigosa conversa da quebradeira no campo. Cuidado.

Os receios advindos da crise financeira não paralisam, felizmente, o setor agrícola. O aperto do crédito, porém, exige rapidez na atuação do governo federal, porque as cartas no campo estão dadas. Ou melhor, as chuvas e o calor chegaram, portanto, hora de plantar.

Ao contrário do industrial ou do comerciante, que na cidade podem esperar para saber como ficam as coisas, inexiste alternativa para o produtor no campo. Ou ele planta agora, e arrisca, ou perde a época de semeadura, trazendo prejuízo na certa.

Ah, se os economistas urbanóides entendessem isso um dia...

...

*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br - Site: www.xicograziano.com.br


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