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TEMA LIVRE : Xico Graziano
Liderança rural
04/11/2008
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) elege neste começo de novembro sua nova diretoria. Pela primeira vez na história, uma mulher comandará a mais poderosa entidade ruralista do País. Renovar lideranças é fundamental para melhorar, perante a sociedade, a imagem dos agricultores brasileiros.
A senadora Kátia Abreu, nova presidente da CNA, conhece os meandros da política classista no campo. Tento se tornado agricultora aos 25 anos, após a morte do marido, a psicóloga, mãe de três filhos, liderou o Sindicato Rural do município de Gurupi e, depois, assumiu a Federação da Agricultura do Estado do Tocantins. Ganhou liderança enquanto tocava a fazenda de gado. Ficou famosa naquele rincão machista.
Entrou na política partidária pelas mãos do antigo PFL, hoje Democratas. Em 2002, elegeu-se deputada federal com a maior votação do Estado. Na Câmara coordenou a forte e articulada bancada ruralista. Impetuosa, deu constante trabalho para o governo federal. Boa de briga.
O Senado recebeu-a, com enorme votação, em 2006. Às encrencas do campo agregou os dramas da economia. Designada relatora da CPMF, aquela Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, conseguiu aprovar, contra a máquina do governo Lula, a extinção da malfadada taxa. Competente, respeitada, vai com certeza turbinar a CNA.
Dizia Bertolt Brecht, criticando as pessoas alienadas, que o pior analfabeto é o analfabeto político. Elas não sabem, afirmava o filósofo alemão, ¨... que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas¨. Assim, o engajado e lúcido pensador traduzia, em termos populares, o perigo da ignorância.
Os agricultores brasileiros costumam não gostar da política. Ficam, normalmente, distantes das eleições, passivos, alguns irritados, como se o assunto nada tivesse que ver com eles. Ledo engano. Se o pessoal da roça fosse mais participante, interessado na vida política, certamente os representantes populares seriam mais simpáticos às causas do campo. Melhorias poderiam advir.
Os prefeitos e vereadores, por exemplo, comandam o poder municipal e quase sempre olham apenas para os problemas da cidade, da praça e do asfalto, esquecendo-se das estradas rurais, sempre esburacadas. Ora, as obras públicas não caem do céu. Elas dependem da capacidade de cobrança da população interessada. Isolados, distantes, os agricultores perdem o jogo da política local.
No contexto maior, as decisões de governo sobre financiamentos rurais, seguro de safra, mecanismos de comercialização, entre tantos, sujeitam-se, claramente, às pressões do Congresso Nacional. Nem poderia ser diferente. Na época da ditadura, bastava conhecer os escondidos corredores do poder. Hoje, felizmente, manda o jogo democrático, legítimo, do Parlamento.
A dependência caracteriza um amargo traço da herança cultural dos brasileiros. Dizem os historiadores que, acentuadas pelo marquês de Pombal, as reformas na sociedade lusitana se impunham na colônia de ¨cima para baixo¨. Até hoje, 186 anos após a Independência, há pessoas que parecem aguardar que o ¨rei¨, lá longe, anuncie as decisões a serem cumpridas, aqui, pelos ¨súditos¨. Submissa, acostumada a cumprir ordens, a população espera que o governo aja em seu nome, como se um desígnio divino o guiasse. Vã ilusão.
Na sociedade moderna, complexa, grupos de interesse se formam, disputando a primazia da política. Se os agricultores não se organizam devidamente, acumulando força reivindicativa, os seus pleitos se esvaziam. E de nada adianta reclamar, tomar cerveja no boteco e xingar o governo, ou a prefeitura. Se as coisas não funcionam conforme se deseja, há que reivindicar. Assim se constrói a democracia.
No mundo todo, os agricultores participam ativamente da política. Mobilizam a sociedade em defesa de suas causas. Aqui, no Brasil, lamentavelmente, há quem já se tenha esquecido até em quem votou, noutro dia, para vereador. Deputado, então, nem pensar. Resultado: forma-se um terrível fosso entre a política e a agricultura. Isso precisa mudar.
Não adianta, porém, a cúpula ser forte. Em cada canto do interior, lá na base da sociedade, as entidades da agropecuária devem participar, ativamente, do processo de decisões. Para tanto será fundamental alterar a atitude das lideranças rurais. Abandonar o personagem dependente e assumir o protagonismo, tornando-se proativo. Vale para todos, agricultores familiares e empresariais, pequenos e grandes produtores. O limite do caráter empreendedor não reside na forma, mas na mente.
Uma coisa puxa a outra. Romper com a passividade exige adequar o discurso. A fama de chorão dos agricultores brota da conversa atrasada, desconectada dos princípios e das idéias contemporâneas. Desde que, a partir da Revolução de 1930, a oligarquia agrária sentiu reduzida a sua fatia no poder da República, começou a perder sua embocadura. O saudosismo cresceu e o discurso ruralista desafinou.
Passa da hora o surgimento de uma nova geração de líderes rurais. Jovens agricultores, antenados ao mundo moderno, começam a participar da política, assumindo os postos da geração passada. Esse processo se consegue verificar em dezenas de sindicatos, associações e cooperativas rurais por aí afora, onde cursos de treinamento e capacitação se desenrolam. O sermão caquético está com os dias contados.
Brecht concluía que da ignorância política nasce o pior dos bandidos, o político vigarista. Muitos vigaristas arrebanham os votos do campo, dando-lhes uma banana depois. Sujam o nome dos agricultores. Só existe uma vacina: participação.
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*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br Site: www.xicograziano.com.br
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