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TEMA LIVRE : Gabriel Novis Neves
Aqui
18/02/2009
Mandei confeccionar um cartão com direito a cordão para usar pendurado no pescoço. O motivo é simples e prático. Evita curiosidade do chato perguntativo e economizo o tempo perdido em explicações que não devo. Só coloquei uma palavra no cartão: aqui.
Ultimamente tenho prestado atenção às perguntas que me fazem e me divirto bastante. As pessoas adoram perguntar, mas na guerra da sobrevivência eu não tinha tempo para apreciar as delícias das indagações. No final do ano, se conseguir chegar até lá, vou fazer uma retrospectiva das perguntas campeãs. Nos últimos três meses as mais freqüentes, com as respectivas respostas foram:
“- Onde você passou o Natal?”
- Aqui.
“_ Onde você passou o Ano Novo?”
- Aqui.
“- Onde você passou as férias?”
- Aqui.
“- Onde você vai passar o carnaval?”
- Aqui
E na quarta-feira de cinzas com certeza me perguntarão:
“- Onde você vai passar a Semana Santa?”
- Aqui.
Após essa montoeira de “aquis”, observo uma profunda decepção nos olhos dos perguntadores.
Como todo brasileiro adora dar um conselho já ganhei os mais variados.
“- Você está velho e precisa aproveitar mais a vida. É bom passear. Procure o grupo da terceira idade para viajar. Vá se distrair.” E tantos outros que seria enfadonho enumerá-los.
Agradeço aos conselhos – sempre gratuitos – e volto para casa acreditando que estou certo, aqui.
Construí o único teatro de Mato Grosso há vinte e sete anos, para a diversão daqueles que não entendem que a vida é um grande teatro.
Será que preciso ir à Europa para rir assistindo ao Circo de Moscou com os seus palhaços, quando diariamente do meu consultório atendo chamados pelo telefone fixo de pacientes perguntando onde estou?
Ora gente! Você telefona para o meu consultório e pergunta onde estou? A minha resposta é sempre a mesma:
“- Na piscina tomando uísque e lendo o New York Times” (isto às oito horas da manhã).
Se estiver procurando esporte radical, como “desviar de balas perdidas”, por que ir ao Rio de Janeiro quando temos este esporte aqui?
Belezas naturais?
O mundo de tão achatado pela globalização ficou plano e, caminhando por este “estadão”, encontramos de tudo que procuramos lá fora.
Próximo à Cuiabá em um paredão da Chapada dos Guimarães temos inscrições dos fenícios. Sei que a minha sinceridade com o “aqui” produz-me uma baita desvalorização social e cultural.
O que fazer?
Comprar um pacotão fechado de uma agência de viagem e ficar metade das minhas férias refém de aeroportos, deslocamentos aéreos e terrestres, em vans de turistas e hotéis de mármore que não me transmitem nada?
Ter a obrigação de gostar de tudo o que nos é oferecido para não dar pinta de matuto?
Aproveitar as poucas horas de folga que as agências nos concedem para comprar bugigangas baratas para presentear aos que ficaram?
Quero ficar aqui. Aproveitando todos os minutos aqui.
Tenho certeza que serei reabilitado social e culturalmente quando em 2014 tiver que responder a seguinte pergunta:
“Onde você vai assistir a Copa do Mundo?”
– Aqui.
...
*Gabriel Novis Neves é médico, professor-fundador e primeiro-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso
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