|
TEMA LIVRE : Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
A Amazônia salva pelo bolso?
20/06/2009
Alguém, que agora não me recordo, [Bernard Shaw? Chesterton?], dotado de perspicácia e com uma ironia ferina, escreveu que a parte mais sensível do corpo humano era o bolso. A secular assertiva ganhou evidência solar na semana que passou.
Uma atitude, já algum tempo usual em países da Europa e, em menor escala nos Estados Unidos, acaba de ser introduzida no Brasil. Com êxito, em sua estréia. Décadas de alertas científicos, anos e anos de elaborações de pesquisas e de solitários combatentes pregando no deserto, promessas vãs de políticos, ameaças inócuas dos governos, nada disso foi suficiente para barrar o nefasto processo de devastação da Amazônia. As justificativas para a ocupação desenfreada da região tiveram sempre como suporte a argumentação de que era necessário “promover o desenvolvimento” e produzir alimentos para os brasileiros e para o mundo. A proposital confusão teórica entre o que é “desenvolvimento” e o que é apenas um “crescimento econômico” já foi de há muito denunciada, e poderemos tratar disso em outro momento. O que representa o atual modelo de ocupação da Amazônia, sob o ponto de vista da distribuição social da riqueza gerada, está hoje mais do que evidente, aos olhos de todos. No entanto, essa realidade não foi o bastante para, nem provocar nos “desbravadores” conscientização sobre os danos ecológicos irreversíveis que causam com as suas ações, nem tampouco gerar uma forte consciência na população que pudesse impedir que as ações ecocídeas tivessem prosseguimento e os seus responsáveis incentivo e apoio de agentes políticos. A atuação dos governos, seja federal, seja da unidade federativa, teve pouquíssima repercussão nessa direção. Os órgãos ambientais, quase sempre técnica e materialmente desaparelhados para uma fiscalização verdadeiramente eficaz, e igualmente quase sempre envolvidos em falcatruas e corrupções, muito pouco fizeram para barrar o desastroso processo de saque contra a natureza. De modo que, sem nenhuma exceção, os Estados da região amazônica são hoje tidos, até no exterior, como estando entre os maiores agressores dos recursos naturais em todo o mundo.
No entanto, em meio ao caos e a uma situação histórica que parecia irreversível, eis que surge uma noticia alvissareira através de uma medida prática e aparentemente simples que, a consolidar-se, representa um salto qualitativo de alcance dos mais relevantes para o futuro da Amazônia. Notificadas pelo Ministério Público Federal do Pará, as três maiores redes de supermercados - Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart – anunciaram, em conjunto, no último dia 11, que estavam suspendendo a compra de carnes de onze frigoríficos, entre eles dois dos maiores do país, Bertin e Minerva. Depois de um estudo, que durou três anos, realizado pela ONG Greenpeace, no qual se constatou que a área desmatada na Amazônia já chegou a 160 mil hectares, o MPF apontou os frigoríficos como comercializadores de gado criado em área de devastação. Daí que, em comunicado conjunto com a ABRAS - Associação Brasileira de Supermercados, as três redes informaram da decisão de igualmente suspenderem as compras das fazendas denunciadas e que doravante passarão a exigir, além de guias de trânsito animal anexadas às notas fiscais dos frigoríficos, também um plano de auditoria independente e de reconhecimento internacional que assegure que os produtos que comercializam não são procedentes de áreas de devastação da Amazônia. É importante acrescentar que o Ministério Público, oportunamente, comunicou aos supermercados que as empresas devem parar de comprar os produtos de origem na região sob pena de serem corresponsabilizadas por crime de dano ambiental. Essa medida significa talvez o passo mais importante já dado nos últimos anos em defesa do meio ambiente.
Pegos pelo bolso, parte mais sensível que a inexistente consciência ecológica, e atingidos frontalmente pela base no já falido argumento de serem promotores do “desenvolvimento”, os agressores do meio ambiente, em todas as suas diversas modalidades, daqui para frente não deixarão de produzir alimentos, mas deverão fazê-lo com respeito à Natureza, um bem comum a todos e pertencente às gerações que ainda virão.
...
*Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado, professor, escritor e presidente da Academia Mato-grossense de Letras
Compartilhe:
|
|