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TEMA LIVRE : Paulo Corrêa de Oliveira
Meu Pequeno Beija-flor
27/06/2009
Ele apareceu pela primeira vez, quase ao por do sol, quando eu regava o jardim lá de casa.
A vizinha disse: “Aposentado tem de fazer alguma coisa na vida, não pode ficar parado senão atrofia e morre”. Como eu não pretendo ficar atrofiado e muito menos morrer ainda, aceitei a tarefa de me tornar jardineiro.
“Não se deve regar as plantas ainda com o calor do sol, isso acaba com a plantação”, recomenda a vizinha. Como existe uma parte do jardim que, antecipadamente, fica sombrio, começo minha função por esse recanto das sombras.
Quanto mais aperto a mangueira, o jato de água alcança maior altura. Com isso posso atingir a hera mais alta que encobre a parede. Tenho só de ter o cuidado para não deixar a água retornar pelo meu braço, e molhar toda minha camisa. Estava nessa concentração do meu trabalho quando ele apareceu. Um pequeno beija-flor mergulha no meu jato de água para banhar-se. Percebi seu irresistível desejo de refrescar-se na cortina líquida. Isso me causou um imenso prazer. Fiquei enternecido em ser agente desse enlevo para aquele pequenino ser. Para saciá-lo, demorei horas nessa função.
O excesso fez o canteiro em baixo encharcar-se numa imensa poça de água. Eis que, de repente, o meu amigo beija-flor sumiu. Provavelmente, voltou satisfeito para o seu refúgio, revigorado pelo banho salutar.
No dia seguinte, nos derradeiros raios solares da tarde, junto ao mesmo canto do jardim, eu regava a hera buscando ansiosamente a presença do meu mais novo amiguinho.
E ele apareceu. Repeti o jato mais fino possível para não desequilibrá-lo. O ritual do banho teve seu início. Depois ele quis inovar, desviou-se da neblina que eu provocava e se acomodou numa folha larga de um pequeno arbusto. Desviei o jato de água para ele. Dava-me a impressão que o beija-flor estava deitado de costas. Ele arrepiava e movia todas as penas do seu corpo com um ritmo alucinante. Foi então que eu reparei que ele tinha a bundinha branca. Nunca tinha percebido antes algum beija-flor com a bundinha branca.
Depois de refestelar-se no seu banho lúdico, subitamente desapareceu.
Agora, todas as tardes, quando o sol começa a arrefecer seus raios, eu volto para o meu jardim em busca do “Bundinha Branca”. Não sei onde ele se esconde ou onde tem seu refúgio. O fato é que na hora pré-estabelecida pelo costume, escuto um zumbido ocasionado pelo bater acelerado de asas. É ele se aproximando. Alegro-me quando ele se dirige para a folha larga, local preferido para seu êxtase molhado.
Infelizmente, tem dia que meu amiguinho não aparece. Fico então apreensível. Onde foi parar meu “Bundinha Branca”? Morreu? Mudou-se?
Mas, quando ele surge, fico magnetizado pela sua presença. Então, enquanto me ocupo da missão de regar meu jardim, crio uma nuvem densa com o jato de água em sua direção. É aí que começa minha divagação: Como Deus soube criar um ser tão pequenino e, ao mesmo tempo, tão gracioso e encantador?
Começo a refletir sobre esse visitante tão bem-vindo para mim, nas minhas tardes lânguidas, antes do crepúsculo solar.
Seria o “Bundinha Branca” um mensageiro de Deus, seu inegável criador?
Acredito que sim, e fico enternecido com a visita deste meu companheiro beija-flor. Este aposentado pode afirmar que recebe quase diariamente uma mensagem muito importante transmitida pelo “Bundinha Branca”: Deus existe!
...
*Paulo Corrêa de Oliveira é professor-fundador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e arquiteto em Aquidauana (MS)
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Comentários dos Leitores
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Comentário de Agaciel Silva (sf52@terra.com.br) Em 27/06/2009, 08h12 |
Beija flor |
Distinto Comendador.
Voce é um garimpeiro de talentos.Que bela cronica acabo de ler. |
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