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TEMA LIVRE : Montezuma Cruz
“Vôo da farinha” sai do Acre com meia tonelada por dia
20/02/2010
Diariamente, meia tonelada de farinha de mandioca sai do Aeroporto Internacional de Cruzeiro do Sul para diversas regiões brasileiras e até para o exterior, pelo vôo 1938 da Gol-Varig, às 1415 (hora local). Essa carga resulta um movimento anual de R$ 379,6 mil (182,5 toneladas), tomando-se por base o valor de R$ 2,08 por quilo, multiplicado por 500 kg. O produto está isento de impostos.
Os números do já conhecido “vôo da farinha” foram apurados durante o feriadão carnavalesco pelo coordenador da Bancada Acreana, deputado Fernando Melo (PT-AC), com operadores dessa empresa aérea e de uma loja especializada na venda de farinha e guaraná. O aeroporto fica a 15 km do centro desta cidade que se situa na faixa de fronteira Brasil-Peru, a 710 quilômetros de Rio Branco, capital acreana.
– Os pacotes e paneiros representam R$ 1.040 por dia, só por avião. Sai muito mais que isso, talvez três vezes mais, em cargas rodoviárias – comentou o parlamentar. Assim, o movimento anual com a venda das casas de farinha e mercados do município ultrapassam R$ 1,13 milhão.
Funcionários da Gol-Varig informaram que o movimento cresce durante o “inverno amazônico”, mantendo a média diária de embarque de farinha. É que a rodovia BR-364, ainda em obras na região, fica intransitável durante pelo menos quatro meses de chuvas regulares.
A loja embala o produto em sacos plásticos ou paneiros de dez ou 12 quilos. O vaivém dos carrinhos carregados com esse tipo de produto é bem característico de um aeroporto que está às vésperas de inaugurar vôos entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, capital do Departamento de Ucayali, no Peru, a 25 minutos dali.
Famílias se unem para festejar o escambo
Às 11h30 de domingo, a família de Luiz Augusto da Silva está quase toda trabalhando no barracão ao lado de sua casa, no antigo Seringal Harmonia, numa das margens do Rio Moa. Oito pessoas descascam mandioca, preparam a massa numa trituradora movida por um motor de rabeta. Três horas depois, elas obtêm a farinha bem tostada em forno artesanal.
A pequena fábrica de seu Luiz Augusto, 51 anos, seis filhos e cinco netos, não é uma casa de farinha tradicional, a exemplo das casas financiadas pela Fundação Banco do Brasil, com dezenas de associados.
– Fazemos uns dez sacos farinha para o nosso consumo, sempre o suficiente para um mês – ele conta, sorrindo. Às vezes o grupo decide colocar alguns sacos nos mercados da cidade, numa das margens do Rio Juruá. Aí, fornecem a R$ 50 o saco de 50 quilos. Os comerciantes o revendem a R$ 70 ou R$ 80, conforme a qualidade.
Além da colheita, o gasto é pouco: o pequeno motor não “bebe” mais que quatro litros de gasolina, adquirida por R$ 3,30 o litro. Algumas embarcações que transportam pessoas e gêneros alimentícios usam óleo diesel, que custa atualmente R$ 2,70 o litro.
O feitio da farinha é motivo de congraçamento entre familiares e vizinhos. Alguns deles oferecem pães, bolos e beijus, em troca da farinha recebida. É um autêntico escambo: uma família entrega porções de farinha e ganha em troca os derivados.
Seu Luiz Augusto lamenta apenas o desperdício da manipueira (líquido leitoso da mandioca), que ainda não tem mercado na região. Serve para fabricar tucupi ou alimentar bovinos, caprinos e muares. As descargas de sua pequena fábrica são despejadas numa vala com mais de 30 metros, que ele próprio cavou. (M.C.)
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*Montezuma Cruz é jornalista, escritor, editor da Agência Amazônia e colaborador-fundador-compulsório do Saite Bão
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