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TEMA LIVRE : Eduardo Mahon
Procura-se um Desembargador
17/03/2010
Se, de fato, havia um esquema ilícito de distribuição de processos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a coisa mais certa é que os servidores afastados são a ponta do laço, o rabo do peixe, o início da carreira. O que se costuma chamar de “gaiato”. Caso cobrassem para fraudar a distribuição de determinada petição, quem pagava queria muito que caísse com o desembargador perseguido. Ninguém gasta apenas pelos belos olhos do julgador para o qual foi direcionado o processo.
Quem paga para obter esse tipo de vantagem, não aposta sem propósito. Seria ilógico corromper um servidor para que faça cair um mandado de segurança, habeas corpus ou agravo de instrumento no colo de um julgador, sem qualquer esperança, vantagem, perspectiva, expectativa da parte que peticionou. Como nem os dementes rasgam cédula, as investigações devem fazer o seguinte levantamento: a) número total de distribuições desviadas; b) advogados envolvidos e partes que deram entrada; c) julgadores que receberam a maior concentração dessas petições.
E, finalmente, traçar um gráfico muito básico comparando o porcentual de pedidos deferidos desses processos desviados. Se, por uma enorme coincidência, os processos desviados contarem com índices de liminares muito acima da média, confirma-se a tese de que ninguém em sã consciência queima dinheiro. Simples assim. Isso se, antes, os servidores não decidirem simplesmente falar. Aí sim: provavelmente haverá problemas maiores.
Nunca vi um esquema tão imbecil a ponto de gastar 1 mil, 10 mil, 100 mil, qualquer centavo furado com um servidor, apenas para distribuir um processo ilicitamente. É bem verdade que nós advogados até sabemos o entendimento deste ou daquele julgador sobre este ou aquele assunto. Um é mais liberal, outro é mais conservador. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem gente que faz figa pra não cair com os Ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie por considerá-los mais rigorosos e, ao contrário, reza terços para que sejam os relatores os Ministros Marco Aurélio, Celso de Melo, Dias Tofolli, considerados mais liberais e flexíveis.
Contudo, trata-se geralmente de lenda. Caso façamos um levantamento imparcial, veremos que os Ministros geralmente concedem o mesmo número de mandados de segurança e de habeas corpus e geralmente são acompanhados pelos colegas nas sessões de julgamento de mérito. Por vezes, tem gente que quebra a cara – eis que o Ministro Marco Aurélio negou liminar e mérito ao habeas do Governador José Roberto Arruda, quando todos apostavam no salvador da pátria, grande julgador liberal.
Um levantamento da polícia, no caso do TJMT, trará conclusões extremamente simples: a suposta fraude na distribuição privilegiava desproporcionalmente X ou Y Desembargador. Do número geral de processos desviados do sistema automático de distribuição, x% dos pedidos foram deferidos ou indeferidos. Se o porcentual for uma coincidência matematicamente esdrúxula, remeta-se todo o apanhado da investigação ao Superior Tribunal de Justiça e à Procuradoria Geral da República. De então, pode-se dizer que nesse angu tem caroço. Juntam-se os dois fios da meada.
É aritmética das mais simples. Trabalho policial de tabelar dados e tirar conclusões objetivas, mormente tratando-se de medidas cautelares ou de liminares em ações de urgência. Outra questão mais do que pitoresca é fazer um brevíssimo comparativo quanto aos advogados envolvidos. Se houve fraude na distribuição, certamente não é um cliente (empresário leigo) quem determina para quem deverá ser orientado determinado processo.
Como o servidor não é alienado mental e não fazia a suposta fraude por mero capricho pessoal, havia pedidos e pagamentos. Esses pedidos (e provavelmente pagamentos) não vinham de alguém leigo em Direito. Certamente, o advogado pode saber se há ou não problemas na distribuição. Isso porque todos os processos que vão pro TJMT estão acompanhados de uma certidão de distribuição que espelha se há ou não prevenção para um determinado julgador, se foram encontrados similitudes com outros nomes e processos originários, enfim, uma gama de aspectos para determinação da competência ou livre distribuição.
Para encerrar esse trabalho quase matemático, cruzamos alguns dados, como tempo de tramitação (em quanto tempo a liminar foi concedida), nomes e sobrenomes das partes (se há eventual vínculo de parentesco de julgadores) e, finalmente, valor da causa. Somente então a sociedade poderá estar tranqüila ao afirmar que o sistema não tem um botão escondido de “procura-se um desembargador”.
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*Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso e Brasília/DF
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