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TEMA LIVRE : Gabriel Novis Neves
Carta ao Vila
02/05/2010
Caro amigo Vila,
Após mamar, mijar, cagar e um banhinho de assento básico, vou ao computador saber as novidades. Começo pelo site que ninguém lê. Qual não foi a minha surpresa ao ver ali uma foto minha, em nu frontal (click aqui para ver ou rever). Entre surpreso e indignado logo pensei: “isto é peraltagem do meu tio velho - que perdeu a compostura com a idade avançada -, e sem me consultar mandou a foto, e o Vila publicou”. Sacanagem dupla, imperdoável!
Amigo, se é que posso chamá-lo assim, a minha vida depois que deixei o útero da minha mãe (bonitona, hein?), tá uma merda. Não tenho tempo prá nada! Nem prá nadar, esporte que pratiquei durante nove meses em uma bolsa de água.
Vou resumir o meu dia a dia. Mamo no peito de três em três horas, com ou sem fome. Às vezes estou tranquilamente dormindo e sinto umas cosquinhas na sola dos meus pés. É a mamãe querendo me acordar. Como ainda não articulo bem as palavras, grito, franzo o rosto, sacudo os pés, agito as mãos, tudo em sinal de protesto, mas não consigo me fazer entender, ela acha que eu estou com fome. Tanto que a escuto exclamar feliz da vida ao meu pai: “Ele está com fome!” E dá-lhe bico de peito na boca! Acabo percebendo que para eles é importante mamar, e começo a sugar. Para que me indispor com mamãe né? Com mãe não se discute. Elas têm sempre razão, ou pensam que tem. Enfim... Nessas ocasiões sinto cólicas, que produzem eliminação de gases – que você chama de peido - então eu peido. Depois volto a cagar, mijar e às vezes arroto.
Um dia desses dei um arrotão no peito da minha mãe enquanto mamava, levei uma carinhosa repreensão. Ela até riu, assim como ri dos meus peidos. A coisa boa na minha idade é que você pode fazer tudo isto sem ser falta de educação – é até esperado. Vai fazer isto mais velho! É logo taxado de nojento e mal educado! Telefonaram até para o meu velho tio médico, para falar como eu era estrondoso. É Vila, pra aquele mesmo que mandou a foto!
Após a mamada vem aquele exercício para arrotar. Eu morrendo de sono, sou colocado no ombro do papai que de pé fica andando comigo pela casa e dando porradinhas nas minhas costas até eu não agüentar mais e liberar o ar do estômago. Satisfeitos, deitam-me na cama, e quando penso que vou continuar a soneca, sinto a mão da mamãe apalpando a minha fralda na região genital. Tudo bem. Logo depois ela tira a fralda, tomo um banho de gato com óleo e finalmente me deixam em paz.
Que ilusão seu Vila! Não demora nada, três horas são passadas, e começa tudo de novo. A única diferença é que desta vez o ritual começa com um banho dado pela vovó! Haja saco! Do quarto ouço a voz alta do meu avô, que não para de falar. Dizem que o seu apelido é eletrola. Quando penso que estou liberado... surgem as temíveis visitas. Chegam falando alto, querendo saber o que há para comer, e claro, vão me ver. Apalpam-me, fazem cosquinhas nas minhas bochechas, e todos querem ver o meu bilau para comentar depois... Antes da despedida, é do protocolo tirar uma foto comigo, também não sei por quê. Acho que é para me irritar com todos aqueles flashes na minha cara!
Dia e noite é essa a rotina que enfrento. O bom é que o meu tio velho não veio me visitar. Se ele aparecer, peço as contas e vou me esconder num motel de crianças, pois sei que lá adulto não vai, com medo de ser fichado com esse negócio de pedófobo.
Amigo, estou cansado! Vou mandar-lhe uma foto minha recente. Repare como estou abatido. Também pudera! Enfrentar essa vidinha fora do útero, não é para qualquer um.
Obrigado e abraços do Rafael – RAFA, para os amigos.
...
*Gabriel Novis Neves -- o "Índio Véio" --, é médico obstetra, primeiro reitor da Universidade Federal de Mato Grosso -- UFMT, "ginecologista" estatutário e compulsório do Grupo Fazendas Reunidas Perereca Enterprise, Broadcasting & Corporation e nas -- poucas -- horas vagas, compositor.
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