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TEMA LIVRE : Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
Um olhar vesgo e obtuso
29/06/2010
Semana passada, a Assembléia Legislativa promoveu uma inusitada audiência pública. A finalidade: debater as ações da Polícia
Federal e da Justiça Federal nas diversas operações realizadas nos últimos meses em solo mato-grossense. Disse inusitada, porque, pela primeira vez, se trouxe a público, e com algum estardalhaço, a discussão ampliada sobre decisões judiciais. Um tema de envergadura, ainda mais tendo em vista a qualificação institucional dos que o promoveram. Tradicionalmente, as decisões de juízes e de tribunais são debatidas no âmbito restrito dos autos processuais e, quando de repercussão, noticiadas pela imprensa. Desta feita, foi o espaço de uma instituição, em tese, de representação popular e de importância decisiva para a vida democrática, que serviu de palco para os debates. Todavia, curiosamente, a própria convocação da reunião já representava um parti pris, ou seja, já era manifestamente de anteposição às decisões que seriam debatidas. Ocorre que tal posicionamento pode dar a entender que se colocam em campos diametralmente opostos duas instituições fundamentais. E isso, sob qualquer angulação que se queira, é inadmissível.
Não pretendo, por hora, abordar os diversos aspectos envolvidos nesse posicionamento. Não pretendo, pelo menos não agora, entrar no mérito das questões levantadas. Algumas delas, só possíveis com o compulsar detalhado dos autos processuais. Outras, do conhecimento de um público mais amplo, que não o restrito dos advogados e seus clientes, e mais diretamente interessados. De todo modo, a crítica mais contundente amplamente defensável é aquela que aponta o viés político-partidário do juiz. Com efeito, ao longo dos meses, o magistrado permitiu, ou incentivou, ou até se calou, com relação às especulações que se fizeram em torno de uma sua possível candidatura a cargo eletivo. Só na undécima hora, até pela questão do prazo eleitoral, finalmente, e felizmente, foi descartada a candidatura. Toda essa situação, a que anteriormente já havia aludido (me lembro de um debate na Rádio Cultura ano passado), sem dúvida enfraqueceu a ação judicante e moralizadora do juiz. Feita esta ressalva, vamos ao que pretendo tratar.
Talvez, de todos, o argumento mais forte que se pretendeu colocar, tanto que foi o primeiro a ser apresentado na audiência, é o que disse dos pretensos “prejuízos econômicos” causados a Mato Grosso pelas diversas operações da Polícia Federal. Se quanto aos demais argumentos contrários, a nossa posição pode ser a de debatê-los amplamente, concordemos ou não com os seus fundamentos, para essa questão dos supostos “prejuízos econômicos” só nos cabe, digo, a aqueles de bom senso, de rechaçá-los liminarmente.
Basta! senhores. Não podemos reduzir tudo, como tem sido corrente em nossos tempos, a uma questão de ganhos ou perdas econômicas. Existem outros valores, até mais altos. E só isso já daria para uma instrutiva discussão. A propósito, por que não convocam uma audiência pública para debatermos esse aspecto da questão? Talvez fosse até mais instrutiva. Ora, é de uma pobreza mental e moral extraordinária querer quantificar a derrubada de uma floresta tendo por base apenas e unicamente a moeda, o seu valor primário. Uma árvore que levou dezenas de anos para crescer não pode ser, impunemente, derrubada em cinco minutos. E neste caso, há várias angulações possíveis que desmentem com eloqüência esse olhar vesgo e nefasto. A própria cultura agrícola consorciada, o aproveitamento da biodiversidade para o importante setor de medicamentos ou das pesquisas cientificas, a utilização dos planos de manejo para a melhor utilização de áreas ecúmenas, são argumentos decisivos contra essa visão caolha. Tudo isso, sem se falar na importância dos biomas para a melhor qualidade de vida humana.
Por ultimo, é imperioso que as pessoas entendam um princípio fundamental a nossa Carta Magna [artigo 225], que veio para ficar e que a distingue na história jurídica do Ocidente, é aquele que elevou a questão ambiental ao patamar de uma superior grandeza, dando sustentação a um novo Direito, que traz em seu bojo uma visão inovadora e diferenciada de humanismo e de ética. De todo modo, trata-se aqui de duas visões de mundo opostas, duas posturas diferenciadas diante da vida e da existência, enfim, o recorrente enfrentamento entre o passado e o futuro.
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Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado, professor, escitor, integrante e ex-presidente da Academia Mato-grossense de Letras
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