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TEMA LIVRE : Eduardo Mahon
Fundo do poço
05/08/2010
Diante da crise de imagem, o protagonista deve buscar ajuda. Em qualquer experiência com crise de credibilidade, aprende-se não fugir da mídia, não mentir ou sonegar informações, ser diligente no atendimento ao público, pedir desculpas, reconhecer o erro e repudiá-lo. Normalmente, nomeia-se um gestor da crise, espécie de mediador com experiência em comunicação para que haja esse canal com a sociedade, enquanto o gestor reserva-se aos gestos simbólicos mais importantes.
Não são apenas as empresas particulares que passam por crises de imagem. Companhias privadas sofrem sim profundas baixas com acidentes, defeitos de fábrica, informações distorcidas, qualidade comprometida, ações fraudulentas, enfim com uma série de fatos que afetam o conceito junto ao consumidor. Instituições públicas também podem virar alvo de um abalo de crédito. Políticos, partidos, fundações e empresas públicas. Enfim, a crise não faz distinção.
E quando a crise de imagem afeta ao Poder Público Republicano que se baseia justamente na credibilidade? Porque o Poder Judiciário está sustentado fundamentalmente na crença dos cidadãos de que terão uma solução legal, justa, imparcial por parte de um juiz ou desembargador. Evidente que uma sentença tem dois vetores de poder – o cumprimento pela força estatal ou o espontâneo do cidadão a reconhecer como legítima, honesta e justa a atribuição constitucional judiciária.
A honorabilidade judiciária não é matéria de lei e sim de uma conquista histórica, onde a classe judiciária sofreu gradual transformação do papel de mero colaborador do poder para o de freio, limite, contrapeso, moderador. A toga é um símbolo e não uma imposição. Gozar de credibilidade social e, portanto, colher o reconhecimento público pela função judiciária não é matéria de decreto. No delicado terreno moral, a preservação de um símbolo é essencial e não se faz na base da força. Quando um juiz quer se fazer respeitar pela força, é sinal que chegamos ao fundo do poço.
Pensando assim, fiquei perplexo com a Portaria 542 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Não só manda rastrear computadores do próprio Poder Judiciário para apurar eventuais delitos contra a honra, como chega ao ponto de sugerir parceria com a Polícia Federal para seguir, identificar, e investigar todos os que atentariam contra a honra de julgadores e servidores. Mas não diz como houve esse prejuízo. E nem que comentários seriam ofensivos. E nem muito menos postados em que sítio virtual. Ou seja – investigação indeterminada.
Afora a enorme infelicidade estratégica, trombando truculentamente com qualquer lógica de gestão de crise de imagem, há alguns problemas de ordem jurídica. Se a honra de alguém foi atingida por comentários postados no meio virtual, é o prejudicado quem deve movimentar-se requerendo a exclusão da notícia ou comentário, o bloqueio de imagens, ou qualquer outro documento divulgado irregularmente.
Não pode o Presidente do Tribunal determinar, em nome de outros, (incluindo aí servidores sindicalizados) uma apuração de responsabilidade. Nem mesmo as entidades de classe têm legitimidade para assumir a representação da “imagem coletiva” de um segmento social. Devem, pois, os diretamente prejudicados recorrerem à Justiça para que tenham seus direitos satisfeitos ou recompostos. É o que a sabedoria popular chama de “vestir a carapuça”. Quem a vestiu deve ter interesse e legitimidade para pleitear o que entender por bem.
A segunda pergunta que me assaltou: pode o próprio juiz produzir prova penal por fatos não delimitados de cidadãos não identificados para reivindicar, via judicial, reparação e punição? E o próprio Presidente do Poder Judiciário? Se a doutrina nacional divide-se na polêmica sobre os poderes de produção probatória de um juiz de direito, será um assunto dos mais pitorescos essa nova possibilidade – investigar, por meio de polícia ligada a outra jurisdição, fatos indeterminados de cidadãos não identificados para proteger pessoas indeterminadas. Tudo na base da Portaria!
Acredito que o Judiciário Mato-Grossense não merece dissabores maiores do que os atuais. Não era necessária mais uma motivação, mais um alvo, mais uma brecha para a crítica. Seria o momento de aparar arestas, explicar fatos à opinião pública, tornar o poder mais transparente, acessível, interativo. Censura prévia, investigações de fontes e rastreamento policial formam uma tríade que muito já se lamentou. Quero lamentar pelo passado e, infelizmente, pelo presente.
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Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso e Brasília/DF
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