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TEMA LIVRE : Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
A oposição que se autodestruiu
24/08/2010
Um dos aspectos mais interessantes na presente campanha eleitoral parece ser o da morte da oposição. Nunca antes se viu uma oposição tão inerme, tão incompetente, tão desprezível. Temos hoje, em pleno regime democrático, uma oposição atemorizada, quase envergonhada. E não por força do governismo, mas por culpa dela mesma. Ninguém, em sã consciência, quer uma oposição agressiva, descabelada, com metralhadora giratória atacando a tudo e a todos os que lhe passam na frente, como, aliás, se viu em passado não tão longínquo.
O que se pretende é uma oposição coerente, lúcida e objetiva a apontar os erros dos governantes. Uma oposição consistente, sem a qual nenhum regime democrático pode merecer esse nome. Uma oposição que fale para uma sociedade que entende que nenhum governo está cem por cento certo, porque do contrário teríamos o paraíso na terra. Porém, isto não se viu, isto não se vê. Temos uma oposição pusilânime que, engessada pelos marqueteiros, é incapaz de formular críticas apontando falhas e contradições. Uma oposição que não soube ser necessária, fato entendido até mesmo por aqueles governantes que tenham uma visão mínima da História.
Mas, a verdade, é que este quadro já vem de antes. Bastou decretar os altos índices de aprovação do presidente Lula nas pesquisas para a oposição se encolher atemorizada. Isso só testemunha que, independentemente de ser de oposição ou não, demonstra-se com eloqüência que não temos políticos na verdadeira acepção da palavra, ou seja, homens públicos que pensam o futuro da Nação, que procuram dialogar com as gerações vindouras, e que não tenham olhos apenas para as próximas eleições e as prebendas proporcionadas pelo poder. Temos homens sim que fazem da política um meio de vida, e sobrevida, que dela se beneficiam, em primeiro lugar, em causa própria.
O verdadeiro líder, e a História o demonstra, é aquele que tem a coragem de arrostar os desafios. Por maiores que pareçam ser. Vivemos uma época lamentável em que quem está no poder, ou tem as pesquisas a seu favor, tem tudo e pode tudo. Em Mato Grosso , por exemplo, há trinta anos não existe oposição parlamentar. Todo aquele que chegou ao Paiaguás não teve qualquer dificuldade com a Assembléia Legislativa, teve tudo e pode tudo.
É evidente, que ninguém deve fazer oposição pelo gosto de fazer oposição, até porque se paga, no geral, um preço muito caro por isso. Mas a oposição é imprescindível para o próprio governante, até para ajudá-lo a re-orientar caminhos, em beneficio do coletivo, além de corrigir e castigar mazelas que prejudicam o interesse público. Aqui não. Durante as campanhas, pelo menos até o passado recente, se assistiram os ataques mais furibundos e inconvenientes, alguns atingindo até a honra pessoal e familiar do adversário, para, no dia seguinte a vitória deste, o agressor dele se aproximar com a conversa fiada de querer contribuir para a “governabilidade”. Essa palavra mal sã. E daí esquecer absolutamente tudo o que falou durante a campanha. Neste caso, porém não se trata apenas de covardia ou de temor ante o poder, mas de interesses pessoais, muitos inconfessáveis.
Os dezessete pontos que a Dilma acaba de colocar na frente de Serra indicam não somente a inegável força eleitoral de Lula, o próprio valor da candidata que se dizia antes que fracassaria no embate direto da campanha e que vem tendo um desempenho mais que satisfatório, pelo que se vê, mas mostra sobretudo o erro fundamental de uma liderança dita oposicionista fracassada. A estratégia de se evitar críticas a Lula cobra seu preço agora. Ora, em que país do mundo, a oposição poupa a quem ela quer desalojar do poder? Até porque nisso se impõe um lógica de ferro: se não se tem o que criticar, não se tem porque então mudar o governo e a sua direção, e, em assim sendo, é melhor pois manter as coisas como estão. No caso presente, votando-se na candidata do presidente.
Uma oposição covarde e pusilânime é o que temos. Uma oposição que não conhece a História. Após a Segunda Guerra Mundial ninguém tinha mais prestígio na Grã Bretanha, e no Ocidente, que Winston Churchill, a voz incandescente e aguerrida que acalentou os corações daqueles que não tinham outro caminho senão o da luta, a personificação contemporânea da história de seu país, o grande comandante da resistência à barbárie nazista. Esse líder carismático, que só prometeu ao seu povo “sangue, suor e lágrimas”, com extraordinária competência mobilizando seus compatriotas e o mundo, tendo alcançado a vitória sobre as forças do Eixo, foi, nas primeiras eleições depois do conflito, em 1945, derrotado pelos trabalhistas de Clement Attlee. E se ao grande e idolatrado líder foi impingida a derrota é porque existia uma oposição consistente e corajosa, que teve o destemor de enfrentar toda a sua imensa popularidade e força moral.
No Brasil mesmo, se não fosse a determinação dos oposicionistas agrupados no velho MDB talvez não tivéssemos tido a redemocratização do país na década de oitenta. E, naquela época, se fazia oposição apenas pela idéia, muitas vezes utópica, de se querer fazer voltar logo à Democracia. Em outras palavras, não existia qualquer perspectiva de se ir de imediato para o poder, pois as eleições eram indiretas, de cartas marcadas, e o mandato parlamentar poderia ser cassado a qualquer momento, pelo mínimo ou por nenhum motivo. No entanto, existia uma oposição. No campo aberto da palavra e do destemor se construiu uma oposição onde muitos tombaram, até com o sacrifício da liberdade e da vida. Agora, só se luta pelo poder, onde o máximo que se tem a perder é a possibilidade de não alcançá-lo. E ainda assim, reina a pusilanimidade
O exemplo mais recente de uma oposição combativa é o do PT. Não está tão longe assim para que nos esqueçamos de uma oposição aguerrida, agressiva ao extremo, furibunda e intransigente que, em muitas e incontáveis vezes, extrapolou as fronteiras da responsabilidade democrática, não respeitando nem mesmo a honorabilidade pessoal. Quem não se recorda? E talvez não tivesse sido tão combativo, o PT não fosse governo hoje.
É com melancolia que se viu surgir no horário eleitoral, um Serra debruçado sobre o ombro de Lula, como a lhe fazer confidências, e logo abaixo a legenda: “Dois líderes experientes”. Pois bem, o líder Lula, com toda a sua experiência, está indicando para sucedê-lo e manter a situação de tranqüilidade governamental, de crescimento econômico, do aumento de consumo e bem estar geral, é precisamente a adversária do candidato oposicionista. E, a conclusão a que chega o eleitor é, em sendo assim melhor votar logo em Dilma, que é da confiança direta do outro líder, o que está no poder. Na realidade, parece que Serra está fazendo campanha não para presidente da República, mas para ser ministro de Dilma. E, pelo monotematismo dele, até já escolheu a área da Saúde. Serra, ao invés de só estar falando sobre o que fez, deveria também sair mostrando país a fora, o que o atual governo não fez.
Aqui em Mato Grosso , a campanha do sr. Santos não vai à outra direção. Sua propaganda na TV diz que ele deve ser escolhido para dar prosseguimento ao que foi feito “depois de Dante e por Blairo”. Ora, pois, se assim é, então é melhor votar logo em Silval que é o candidato indicado por Blairo. Que outra conclusão querem a que cheguemos? Não é de se estranhar, portanto, que em muitos lugares, municípios e Estados, o nome de Serra não figure na propaganda impressa; não de se espantar que a debandada de tucanos, inclusive aqui em Mato Grosso , já tenha começado e vai continuar.
Resta perguntar: qual o futuro dessa oposição de cócoras, acovardada, temerosa? O PFL-DEM já foi pro brejo, ficará com uma bancada resumidíssima no Congresso, e fará apenas o governo do Rio Grande do Norte, e o PSDB, que já esteve no poder federal por oito anos, continuará a ser talvez uma ilha paulista. O PSDB/Serra cavou a derrota com as próprias mãos. Estas eleições decretarão o fim dessa oposição. Esses senhores não leram a História. Talvez conheçam muito de economia, de sociologia, de tecnologia, de administração, mas não conhecem a História, senão saberiam que pior que perder uma eleição, é receber a condenação da História. No caso, ergueram o próprio cadafalso. O tipo de oposição que virá, só ficaremos sabendo no futuro.
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*Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado, professor, escritor e membro da Academia Mato-grossense de Letras
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