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TEMA LIVRE : Paulo Corrêa de Oliveira
A Vocação Teatral de Rubens Corrêa
05/09/2010
Vocação é uma força misteriosa que impulsiona a vida. O que faz um jovem desejar ardentemente ser médico, ou engenheiro, ou padre? Uma jovem ser professora, ou arquiteta, ou simplesmente dona de casa, e ser feliz com sua escolha?
É mesmo um mistério os desígnios que a vida reserva para cada um!
No caso do inesquecível ator de teatro Rubens Corrêa, nascido em 1931, em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, de uma família de fazendeiros, e falecido no Rio de Janeiro em 1996, podemos fazer uma breve reflexão sobre a descoberta de sua vocação teatral.
Nascer em uma cidade do interior, em 1931, com precárias condições culturais, sem mesmo uma biblioteca ou livraria - quando muito uma papelaria – não favorecia a previsão de um futuro brilhante para ele nas artes cênicas. Entretanto, vamos fazer uma análise para entender como isso foi possível acontecer.
O primeiro passo foi a existência de um cinema, único na cidade: o Cine Glória. Foi o primeiro contato de Rubens com o mundo das artes. E ele freqüentava o cinema desesperadamente. Os filmes se renovavam todos os dias. Rubens era o mais constante freqüentador. As histórias o fascinavam. Muitos anos depois, ele era capaz de narrar com detalhes o enredo de “O Morro dos Ventos Uivantes” que marcou sua infância por seu conteúdo sentimental e misterioso.
O segundo passo foi a descoberta do ritual, fator importantíssimo no teatro. Rubens apreendeu o significado do ritual, frequentando a Igreja Matriz de Aquidauana , Nossa Senhora Imaculada Conceição, levado pelas mãos de sua mãe, Dona Mocinha. Rubens lembrava-se sempre de uma cerimônia que acontecia no mês de junho, mês do Sagrado Coração de Jesus. Um menino e uma menina, vestidos de reis, se dirigiam a uma almofada vermelha, em forma de coração com 30 espinhos cravados, e, ao som de uma música própria, cada noite o menino retirava um espinho e a menina substituía o espinho por uma rosa. No fim do mês, trinta rosas enfeitavam o coração vermelho. Esse foi um ritual comovente para o menino Rubens.
Também, no mês de maio, acontecia cada noite a coroação da imagem de Nossa Senhora. Uma moça, Filha de Maria, assumia por sua vez a arrumação do altar para essa cerimônia. A criatividade era desafiada para compor esse ritual da coroação pelas crianças vestidas de anjo. Era um verdadeiro cenário lúdico que era montado e desmontado diariamente e provocava o deslumbramento de Rubens Corrêa.
Como terceiro passo, Rubens descobre o espetáculo do circo. Até o fim da vida lembrava-se do nome do seu primeiro circo: Circo Teatro Zoológico, armado na praça, em frente ao colégio em que estudava. Trabalhadores braçais que cavavam e amarravam cordas, transmudavam, à noite, em trapezistas, equilibristas, mágicos, domadores, com suas indumentárias coloridas e vistosas. Os animais eram magros e sonolentos. Ele achava tudo assustador, mas, ao mesmo tempo fascinante.
O que mais o impressionou foi, após a primeira parte com os atos variáveis no picadeiro, a aproximação das cadeiras para assistir a segunda parte. Rubens viu uma cortina se abrindo, pendurada em argolas que gemiam ao se movimentar, deixando aparecer um patamar mais alto, que depois soube chamar-se palco, e viu uma história acontecer diante de seus olhos.
Ele conhecia histórias contadas, geralmente à noitinha na fazenda, em rodas participativas de velhos contadores de causos. Eram histórias de assombrações, de mortes, de cobras, de animais bravios. Mas nunca tinha visto uma história acontecer assim ao vivo. Foi uma descoberta sensacional. E depois disso, lençóis de sua mãe armavam seu circo imaginário nas brincadeiras com os primos na fazenda.
Em 1942, Rubens com onze anos de idade, deixa sua “cidade presépio” seus banhos inteiramente nu no rio Aquidauana e nas baías do Pantanal, seu Cine Glória de todos os dias, seus numerosos primos e tios, e vai para o Rio de Janeiro continuar seus estudos. É matriculado no Colégio São José, como interno. E lá acontece o seu quarto passo. Descobre a excelente biblioteca do colégio. Mergulha nos textos teatrais através dos autores clássicos. Lê bastante Shakespeare e os consagrados autores portugueses e espanhóis. Faz anotações de tudo. Rabisca cenários. Dá asas à sua imaginação.
Após o tempo do internato, e sua mãe já morando no Rio de Janeiro, toma a decisão de ser pianista, julgando que seu caminho estava nesse rumo. Porém, a atração por peças teatrais vai levando-o ao hábito de assistir espetáculos que a grande metrópole oferece. Consulta as seções especializadas de teatro nos jornais Estava se armando o quinto e definitivo passo.
Neste quinto passo vai se revelar inteiramente sua vocação. Assiste e reprisa várias vezes “Hamlet”, de William Shakespeare, com o ator Sérgio Cardoso. Foi o seu deslumbramento final. Descobre que ali estava a razão de sua vida. Teatro era tudo o que mais queria fazer na vida. Troca então a música, o piano, pela palavra falada, pelo texto.
Entra no “Tablado”, grupo liderado por Maria Claro Machado, e dá início ao seu brilhante destino. E faz um grande sucesso no seu primeiro trabalho como ator, em 1955, na peça “Tio Vânia”, de A. Chekhov. Rubens começa a viver o seu grande sonho, a sua fantástica vocação para a arte teatral.
Com sua inteligência, lucidez, humor e sensibilidade, foi um dos atores mais premiados do teatro brasileiro. Recebeu por quatro vezes, entre outros prêmios, em 1963, 1969, 1972 e 1982 o Prêmio Molière de melhor ator, o então mais cobiçado prêmio teatral existente no Rio de Janeiro.
É de Rubens Corrêa o seguinte texto: “O teatro para mim é um ritual que se transformou na minha possibilidade de sobreviver, de compreender meu próximo e a mim mesmo. De crescer junto através do trabalho que faço. De perdoar, de me conformar por viver num mundo do qual eu discordo totalmente em termos de violência e injustiça social, o que é extremamente insuportável para minha sensibilidade; essa impotência de não se pode fazer nada ou muito pouco através do nosso trabalho. É o teatro que me dá essa possibilidade de sentir que minimamente eu ainda posso ser útil através de uma visão de beleza, de passar para outras pessoas idéias como quem semeia milho”.
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*Paulo Corrêa de Oliveira é professor-fundador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e arquiteto em Aquidauana (MS)
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