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TEMA LIVRE : Montezuma Cruz
E o povo do Pontal nada entendia
10/01/2011
Eles assaltaram bancos, seqüestraram e mataram pais de famíliaEra o que dizia o enorme cartaz branco, com letras graúdas, colado nas paredes de madeira da Estação Ferroviária de Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema, extremo-oeste do Estado de São Paulo. Outras frases com teor semelhante constavam em cartazes impressos e pagos por empresários e pelo próprio governo paulista.
Curiosos, adultos, jovens e crianças observavam nomes e fotografias daquelas pessoas, a maioria desaparecida ou morta pelo regime militar entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1970. Conferiam e, lógico, tinham dúvidas: seriam também ladrões de gado em fazendas? Assustavam-se, supondo que os ladrões estivessem bem próximos de suas casas.
Num clima de desinformação, próprio daquele período, ninguém distinguia ao certo quem era quem. Quando liam o cartaz, teodorenses acreditavam tratar-se de ladrões comuns. Explica-se: as notícias a respeito da luta armada refletiam apenas sucessivas versões da ditadura pós-1964.
Quase ninguém sabia, por exemplo, que para iniciar a guerrilha e levá-la ao campo, os grupos necessitavam obter armamentos e dinheiro. Assim, assaltavam bancos, levavam armas de quartéis ou as conseguiam no contrabando. Em 1966, nos primeiros atos terroristas, houve “expropriações” de bancos. A polícia, orientada pelos órgãos de repressão do regime militar sabiam que não se tratava de assaltos comuns.
A ditadura militar aperfeiçoou seu aparelho repressivo, prendeu e torturou pessoas. Em conseqüência disso, algumas organizações seqüestraram diplomatas para forçar a libertação de presos políticos e divulgar a luta armada. Guerrilheiros passaram disfarçados por Teodoro Sampaio.
O clima de repressão aumentara naquele período. Sob a liderança de Carlos Marighella, o fato de a Aliança Libertadora Nacional (ALN) ter estendido suas ações a Minas Gerais e ao interior paulista levava as autoridades a suspeitar que esses militantes se aproximavam da região do Pontal sem dificuldades. E vinham mesmo, contou-me um dia o meu professor do curso primário, Gilberto de Aquino. Ele era comunista.
A luta pela terra no Pontal do Paranapanema teve início no final da década de 1960, embora estudiosos da Unesp e o MST considerem que a sua eclosão tenha ocorrido somente após a década de 1980, quando ali chegou José Rainha. Obviamente houve dois métodos diferentes: um pelas armas, outro pela ocupação de terras (no próximo capítulo relato esse aspecto).
Yo no creo en brujas pero que las hay, las hay.
Duramente perseguidos pela Operação Bandeirante (Oban), que era financiada e organizada por empresários paulistanos, pelo Exército e pelas polícias Civil, Federal e Militar, alguns militantes escaparam por Teodoro Sampaio, atravessando para o vizinho noroeste do Estado do Paraná nas balsas do Rio Paranapanema, que eram pouco policiadas. Um militante fugiu vestido numa batina de padre. Naquele tempo, não se caçava ninguém de helicóptero ou avião.
Em Presidente Epitácio alguns militantes se misturavam ao povo, passando-se por enfermeiros e auxiliares de enfermagem que atendiam aos ilhéus do Rio Paraná, relatou-me o jornalista José Aparecido. O próprio Zé, militante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, tornava-se amigo das famílias de posseiros e com elas apurava quem era quem no latifúndio do oeste paulista, cujas terras devolutas haviam sido outorgadas a fazendeiros de São Paulo pelo ex-governador Adhemar Pereira de Barros.
Sem recursos, os posseiros daquela época não tinham a mobilidade e as facilidades de transporte das quais dispõem atualmente os sem-terra. Mas andavam para lá e para cá, feito formigas, Pontal adentro. Ouvindo-os, Zé Aparecido conseguiu fazer grandes reportagens para o extinto Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Morreu em outubro de 2004, de câncer, em Presidente Epitácio, na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde fundou e dirigiu o Correio do Porto. Pretendia contar num livro uma versão a respeito da atuação dos comunistas naquela região.
(Continua)
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Montezuma Cruz é jornalista, escritor, editor da agência ¨Amazônias¨ e colaborador-compulsório do Saite Bão
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