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TEMA LIVRE : Montezuma Cruz
Um tapa na ditadura: Gauchão mata Zé Dico
18/01/2011
Município de Presidente Epitácio - Pontal do ParanapanemaFazia calor na madrugada de 23 para 24 de setembro de 1967 quando 22 posseiros armados de espingarda, revólveres, garruchas, facas e foices cercavam a sede da Fazenda Bandeirantes, onde moravam o fazendeiro José Gonçalves da Conceição, o Zé Dico, e o filho Paulo. As janelas estavam abertas. Três homens entravam na casa. À frente deles, o negro Edmur Péricles Camargo, o Gauchão, na época, perto de completar 53 anos de idade. Matavam pai e filho.
Versão do Exército Brasileiro: Gauchão trancou Zé Dico num quarto e o matou a tiros. ¨O filho do fazendeiro tentou socorrer o pai e foi baleado duas vezes”, aponta a mesma versão. Conforme registro da Polícia Civil, nenhum capanga vigiava a casa. Vendo o clima clima ferver, o administrador da fazenda, Antônio Ribeiro, se escondeu.
Essa mesma versão espalhou-se por todo o Estado de São Paulo e pelo País. Era jovem e recordo-me que o jornalista Neif Taiar abria a seguinte manchete na primeira página do semanário A Região, de Presidente Prudente: Terror mata Zé Dico.
O Serviço Reservado da Polícia Militar e a Polícia Civil encarregavam-se de municiar as redações com o noticiário oficial fornecido a partir dos primeiros movimentos do inquérito que apurava a morte de Zé Dico.
Não fora um homicídio comum. O então delegado regional de polícia, Maurício Pereira, atribuía a autoria do crime a Gauchão. E ainda indiciaria o padre Olívio Reato como “instigador dos posseiros”. Logo, a morte do fazendeiro entrava para a história da ditadura militar, junto com outros fatos políticos de 1967: em 24/1, a promulgação da nova Constituição; em 15/3 a posse de Arthur da Costa e Silva na presidência da República; em 18/7 o ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco morria em estranho acidente aéreo em Mondubim, no Ceará.
Bandeirantes duas vezes
Coincidência: a Operação Bandeirantes (Oban) criada pelo governo paulista e o latifúndio de Zé Dico em Epitácio tiveram o mesmo nome, um fato até hoje despercebido pelos historiadores que tratam da luta armada e da resistência ao regime militar. Zé Dico fora assassinado em 1967, a Oban surgiria dois anos depois, fortemente apoiada por empresários e inspirada no modelo do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do Exército, para reprimir “terroristas e subversivos”. Torturava e matava.
As ocupações de terra em série no Pontal começariam nos anos 1980, entretanto, a primeira resistência armada ao latifúndio data daquele período em que os ilhéus do Rio Paraná ousavam enfrentar os jagunços de Zé Dico. No capítulo da história do município, o site oficial da Prefeitura Municipal de Presidente Epitácio não publica uma única linha a respeito do primeiro atentado a um fazendeiro, dentro da luta pela terra que começava no final daquela década para se tornar rotineira nos anos 1980.
Na internet, páginas de militares da reserva consideram que o assassinato de Zé Dico iniciou um movimento de contestação à “Revolução de 1964”. Segundo o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, Gauchão teria matado Zé Dico por ordem de Marighela. A notícia da morte foi publicada como “ato de justiça social” na primeira edição do jornal O Guerrilheiro, em abril de 1968. Obviamente, uma publicação malvista pelos militares.
Comunistas e padre na mira
Crescia a sanha impiedosa de José Francisco Medeiros, Zé Mineiro, Guilhermino, Evaristo, João Branco e Chicão, capangas do fazendeiro José Gonçalves da Conceição, o Zé Dico. Eles invadiam roças e casas e faziam pirraça. Levavam panelas, facas, facões e até rádios a pilha. Desde os anos 1950, o governo paulista fazia benesses com terras devolutas.
Ouvindo as conversas do padre e dos comunistas, os posseiros das áreas vizinhas à Fazenda Bandeirantes começavam a reagir ao bando, em 1967. Na área noroeste das terras, cerca de 30 famílias do Poção do Jacó já protestavam contra o pagamento de porcentagem da colheita a Zé Dico. Era pouco e vinha acompanhado de zombaria contra eles.
Ao se negar a assinar um contrato de arrendamento, por exemplo, o posseiro João Rodrigues dos Santos foi surrado e teve a casa derrubada. O bando humilhou-o mais ainda, junto com a mulher e os três filhos menores, ao atear fogo em seu arrozal.
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TEXTOS ANTERIORES
- Comunistas chegam às ilhas do Paranazão
- E o povo do Pontal nada entendia
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Montezuma Cruz é jornalista, escritor, editor da agência ¨Amazônias¨ e colaborador-compulsório do Saite Bão
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