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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
A outra praia
30/01/2011
O sol está caindo. Na sua direção vejo no contra luz as cangas em frente. Bolas, bolsas estampadas, duas cadeiras ocupadas. Uma delas, por um homem de bigode antigo, da década de quarenta, grisalho.
Meio ajoelhada na areia uma senhora gorda de cabelos curtos, pintados de louro palha, short de estampa miudinha de florezinhas e blusa de listas largas horizontais rosas e vermelhas, tenta esticar uma das pernas, adormecida sob o peso do corpo.
- Depois do Largo do Bicão segue pela Brás de Pina – explica o nordestino todo vermelho, pele e sunga, ao marido da família que, da barraca, entre isopor, chinelos, panelinhas e bolsas, vigia os filhos que correm de um lado para o outro. – Mais uma cerveja geladinha, - sugere – a saideira.
Os auxiliares da barraca do Assis e da Monica recolhem as cadeiras e guarda-sóis que vão sendo abandonados pelos banhistas quando deixam a praia, no final do dia. Isto reduz sensivelmente a quantidade das sombras que se espicham preguiçosas, fazendo desenhos engraçados na areia.
Estou chegando e o sol me saúda fazendo charme projetando sombras cada vez mais oblíquas, compridas e esticadas.
Já tinha tentado ocupar meu lugar ao sol do Leme mais cedo, lá pelas quatro e meia da tarde. Quando vi a densidade demográfica da faixa de areia mudei o rumo e fui para o supermercado fazer a reserva de alimentos necessária para os cinco filmes do acervo da locadora que completam o pacote dominical.
Se não posso me refestelar na praia, fujo do calor e da realidade circundante na penumbra cinematográfica do meu bedroomtheatre, que me leva à mundos nunca dantes visitados.
Uma criaturazinha mal educada passa correndo desembestada em direção ao mar e enche de areia minha bolsa, vestido, óculos, canga. Leva a tradicional advertência, feita com voz bem séria e profissional.
- Por favor, passa devagar para não me encher de areia, tá?
Relevo e relaxo por que hoje é o dia deles. Só estou filando um final de tarde por que preciso de ar fresco e de recarregar minhas baterias solares antes de recomeçar o trabalho, que se estenderá madrugada adentro.
- Quando a onda vier pode mergulhar? Ela me perguntou – conta o pele vermelha vizinho – Pode, eu disse, que o mar está fraquinho, quase não tem ondas - explica ele para os pais da menina, que começam a recolher e organizar a prole e seus inúmeros e variados pertences.
- Gabriel, Amanda, tira a areia e a água do mar no chuveiro ali em cima - ordena a mãe para a menina que recolhe seus brinquedos, meio enterrados na areia no circulo central da fuzarca, no baldinho. Mal sabe ela que a água do chuveiro é basicamente a mesma da praia.
Um ajuntamento humano impaciente esconde a barraca da Mônica e do Assis. Todo mundo resolveu fechar a conta e pagar o consumo do dia ao mesmo tempo. A fila do chuveiro também está extensa, assim como será o engarrafamento da volta ao lar.
Acabou o sol, acabou a farra. O feriado chegou ao fim. Para eles. Amanhã chego cedo para recuperar minha paz, num dia comum de semana...
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e´porta-estandarte do Saibe Bão -- http://delcueto.multiply.com
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