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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros
Saúde Pública: um balcão de negócios
23/02/2011
Todos perguntam e ninguém responde: por que a saúde pública não funciona? A resposta é simples. Não funciona porque existe interesse que o modelo assim se perpetue.
Afirmar que a saúde pública não funciona como um todo, porém é injusto, pois existem exemplos de hospitais que são modelos de atendimento, consagrando-se alguns como os melhores deste país.
Tenho uma recordação de minha época de residência médica no Hospital de Clínicas da Universidade do Rio de Janeiro, que é esclarecedora. Um dia internou um senhor na enfermaria comum da Pneumologia e, para meu espanto, vi sua filha ao lado que na época era deputada federal. Ela sabia o que estava fazendo ao colocar o pai em um hospital que possui referência de atendimento, mesmo sobrevivendo de recursos públicos.
A grande questão é o porquê de um hospital de ensino funcionar enquanto outras unidades capengam num mister de mau atendimento e desleixo.
A primeira resposta é simples. Todos os funcionários são concursados. Mas somente essa resposta seria simplista. Basta, então, somente fazer concursos?
Não, mas seria o primeiro passo para banir grupos terceirizados que se valem de eternas filas de atendimentos, cirurgias, que em mutirões de quando em vez, se prestam a realizar breve desafogo, que além de render manchetes, parece valer aos olhos de desinformados que algo esta sendo feito.
Outro entendimento necessário é que a má medicina é cara. Pacientes com atendimento inadequado viram reféns do sistema viciado e deprimem ainda mais os recursos. Muitas vezes um paciente que poderia ser tratado em regime de internação por dez dias, fica o dobro do tempo. Doentes que necessitam de cirurgia por vezes ficam meses jogados em enfermarias, onerando o hospital e na espera do chamado mutirão de bravo esforço administrativo, que dizem reduzir as filas. Cirurgias ortopédicas levam meses para serem realizadas.
O impacto é o desperdício de dinheiro e a manutenção de uma miséria moral que é o mais perfeito exemplo do país que vivemos.
Outra questão é a dignidade salarial. Ao se observar qualquer folha salarial na saúde pública, o susto é imenso. Não falta médico. O que falta é gente trabalhando. Com salários aviltantes não existe quem se dedique de forma integral.
Em hospitais de ensino quem atende os doentes são os melhores, são os professores, são os residentes concursados. Enquanto em outros, o atendimento se faz aos soluços.
Importante questão então é a continuidade de atendimento. A maioria dos hospitais segue seu ritmo em escalas infindáveis de plantões. Um médico que vê um doente hoje, somente o revê daqui uma semana.
O sistema de plantões é adequado a serviços de atendimento de urgência ou terapia intensiva, mas mesmo estes, possuem avaliação contínua por médicos responsáveis pela rotina ou visitadores.
Faltam Serviços. Para entender, nada mais é que a ausência de grupos de especialidades distintas, com suas enfermarias, chefias e rotinas. O mais comum é se notar jogados numa mesma enfermaria, doentes com as mais disparatadas moléstias, pacientes com pneumonia junto com cardiopatas, nefropatas ou mesmo doentes cirúrgicos, misturados numa promiscuidade aterradora.
O que deveria existir são enfermarias das especialidades, com médico gabaritado e responsável pelos seus doentes.
Falta saber: quem é o responsável por este doente?
Falta hospital. Se não me falha a memória, o responsável por garantir as verbas de construção do Pronto Socorro de Cuiabá foi Roberto Campos.
De lá para cá vivemos numa promessa eterna de construção de um hospital. Cuiabá certamente é capital única. Não tem hospital público. Não adianta dizer que o Pronto Socorro é um Hospital Geral. Não o é, e sua infra-estrutura não foi preparada para isto. Na realidade hoje funciona como um serviço Frankenstein, com obras de maquiagem em que os políticos de plantão arrotam como soluções definitivas.
Outro grande problema é o contínuo investir em soluções falidas. De nada vale injetar capital em hospitais inadequados, que sobrevivem oferecendo péssimo atendimento, mas sempre regados com investimento público e se espraiando em puxadinhos.
A solução não é criar leitos, e sim dar dignidade e tratamento condigno a aqueles já ocupados. Não melhorar e continuar crescendo, é perpetuar o errado, é alimentar o descalabro e empurrar com a barriga.
Mas somente então hospitais de ensino funcionam? Não. Existem hospitais que se baseiam na meritocracia semelhante, para fazer valer a qualidade.
Não me recordo de ter visto doentes deitados no chão ou internados em cadeira de fio nos hospitais Pedro Ernesto ou do Fundão. Não me recordo de ter visto doentes jogados no Hospital Miguel Couto.
Fiz as mesmas declarações uma vez que era recém-chegado, quando me assombrei com o Pronto Socorro de Cuiabá. Publicaram o que disse num jornal. Ligaram da administração e disseram para eu não aparecer mais aos plantões. Até hoje não recebi por eles. Virei a ¨bete noire¨ do serviço público.
As ovelhas que eles gostam são mudas, subservientes e agradecidas ao caraminguá do fim do mês.
Mas um dia a coisa muda. Enquanto isso a população paga o pato.
Gabriel Novis tá certo: bonito é feio!
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Wagner Malheiros é médico pneumologista e novo membro do Grupo Fazendas Reunidas Perereca Enterprise, Broadcasting & Corporation
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