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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros
O grande diamante
09/03/2011
Zé Neguinho era garimpeiro. Não guardava lembrança de ter sido afeito a outro ofício. Conheceu o Mato Grosso de cima a baixo, sempre em busca do bamburro que teimava em afrontar sua determinação.
De lado para o outro levava sua parca matula. Teimava como uma mula e entabulava que no vício dessa vida, a fortuna uma hora iria aparecer, tinha certeza. Se ia.
Uma vez a sorte quase sorriu, mas quando achou o veio da pedraria, sôfrego pelo achado teve que correr do mato que estava. Era área de reserva dos índios. Índios bravos que num passado não tão longe assim, comiam gente com gosto fazendo festa. Eram bugres grandes, todos untados em vermelho e negro e que usavam grossa casca de jatobá qual uma cinta. Por isso os chamavam Cinta-Largas.
Zé Neguinho acreditava que ainda eram canibais. Se por aí não levavam fé que os índios comiam gente, encasquetava e assuntava o porque dos muitos amigos de profissão, mortos lá na reserva tinham o corpo sumido. Todos comidos, afirmava. Oras, teve gente que viu aquele cacique gordo com pedaço de carne de gente na mão, mangando dos que fugiam. Não acreditavam, o problema não era seu.
Desta vez, abriu pequeno garimpo próximo a um regato. Não tinha máquina e fazia da forma antiga, manual e lenta. Tinha gente que dava risada. Um dia iria mostrar a esses, se iria.
Ali perto ficava a cidade, fundada há pouco. Pela região passou muito garimpo, mas a coisa desandou e proibiram tudo. Ninguém mais garimpava de monta, afirmavam que o chão tinha dono e eles eram lá dos estrangeiros.
Nas idas à cidade, poucas vezes viu aquele homem branco que comprava as pedras boas e eram levadas para o outro lado do mundo. Falava esquisito, parecendo que assoviava as palavras. Um dia iria vender algo bom para ele.
O garimpo pequeno continuava, de forma amuada persistia.
O dia estava quente, muito quente. Lembrou da vez que achou uma pedra bonita. Dentro tinha uma mancha escura e diminuiu muito o seu valor. Passou bem por alguns meses, quase como se tivesse vida de patrão, mas passou. O que queria mesmo era bamburrar, achar coisa de valia, muita valia.
Perto do fim da tarde, bateu os olhos já cansados numa pedra. Tonteou e não acreditou. Era muito grande. A testa suada derramava nos olhos o sal do corpo. Piscou, passou a mão na cabeça e tremendo colocou na mão a preciosidade.
Nunca tinha visto algo igual. Era do tamanho de um pequeno ovo de galinha. Tinha bamburrado.
Colocou a pedra contra o sol que morria contra os morros e não viu defeito. Enrolou num pano e a colocou no fundo do embornal.
Deixou de lado as poucas coisas e colocou o pé na estrada. A cabeça não conseguia pensar direito. No caminho para a cidade ia sonhando com as compras. Uma pequena fazenda, quem sabe ?
Distraído quase não ouviu a buzina. Era Seu Catão, que mexia com pedras e diziam ser sócio do gringo que falava assoviando as palavras.
Aceitou nervoso a carona oferecida.
A viagem iniciada e Seu Catão assuntou de achado, mais por educação e para passar o curto tempo da viagem.
Zé Neguinho desconversou, tartamudeou e pensou o futuro. Mais a frente resolveu contar da pedra, precisava falar, contar a alguém. A boca não mais conseguiu ficar muda. Destrambelhou as palavras e acabou mostrando o diamante.
Catão fez pouco caso e disse ser de valia,mas nada muito grande.
Zé Neguinho desconfiou,mas precisava de alguém para acreditar e pediu ajuda. O bote foi armado e a oferta saiu. Era dinheiro,mas nem a décima parte do que valia a pedra. Para o pobre garimpeiro era coisa jamais vista, perto da casa do milhão.
Vendeu ali mesmo.
Menos de dois anos Zé Neguinho morreu pobre.
O Zé Catão está por aí. Dizem que é um dos homens mais ricos do Estado.
A pedra virou lenda e segundo dizem foi vendida lá do outro lado do mundo.
...
*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT
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