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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros
A consulta médica de Francisco
19/03/2011

Francisco morava com a esposa em um pequeno sítio, lá pros rumos do distrito de Livramento. Vivia na simplicidade da ausência do luxo e na pouca fartura que um pequeno empreendimento rural pode oferecer.
Tinha uma pequena aposentadoria que pagava o convênio de saúde e ainda dava para comprar os seus remédios e da mulher. Já entrado nos anos, tratava do coração combalido com o médico lá da cidade.
O Dr. Barros era um afamado cardiologista que tratava desde o graúdo até o mais simplório. De formação humanista e religiosa tratava seus pacientes com devoção não usual nos corridos dias atuais.
Todo mês Francisco ia à cidade. Consultava e fazia seus exames que requeriam muita atenção pelo seu estado de saúde. O doutor dizia que se ele cuidasse iria longe. Ele acreditava e sorria.
Um dia Francisco cismou de criar algo mais que as galinhas e os porcos que cercavam a casa. Assuntando com um vizinho que criava peixes, resolveu aproveitar um declive do terreno perto da sua casa para fazer um pequeno tanque. Acabou fazendo três.
Começou o criame de pacus. Quando da semana Santa os vendia com pequeno lucro, o suficiente para poder dar algum luxo a mulher, seja comprando uma pequena televisão ou trocando a velha geladeira. Ele se considerava um homem feliz.
Um dia Francisco chegou triste da cidade. A mulher acostumada com o homem feliz com quem havia casado há mais de quarenta anos desconfiou de algo sério. Sentando ao lado do marido quietou-se a espera da explicação.
O velho homem fitando o ralo pomar suspirou e disse que o Dr. Barros não mais atenderia o convênio de saúde. Desabafou que perderia seu médico de anos já que não poderia arcar com as consultas particulares. Entendia o desejo do seu antigo doutor de deixar o atendimento somente para a clinica privada. Poucos médicos estavam suportando trabalhar com os convênios e os que persistiam o faziam de forma burocrática e infeliz.
Resignado, passou os próximos dias na lenta labuta que seu estado de saúde permitia. Limpava o pomar, regava as folhagens e dava ração aos pequenos pacus dos tanques. O momento mais feliz do dia era quando via a água do tanque vibrar com o frenesi dos peixes abocanhando os pequenos gomos da ração.
Passados mais alguns dias chega um carro no sítio e dele desce o Dr. Barros. Queria saber do seu paciente.
Francisco entre feliz e envergonhado explicou que não mais poderia ir lá ao consultório, que não poderia arcar com tal despesa. Dr. Barros sorriu e conversaram. Ao final os dois sorriram.
Se algum dia você estiver em um consultório médico e notar um senhor idoso com um saco contendo um pequeno pacu, estará ao lado de Francisco. A cada três consultas ou mais ele paga seu médico dessa forma, com um peixe do seu tanque.
Conto essa história porque eu vi o senhor Francisco aguardando uma consulta com um peixe no colo e fiquei curioso.
Quanto ao médico do coração de Francisco, ele é um grande amigo e uma excepcional alma.
Falta mais gente como ele no mundo.
...
*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT


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