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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros

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Comer um bom peixe
01/04/2011

Só quem viu acredita e não tem muito tempo isso – três décadas no máximo.

O rio Cuiabá após o período da chuva começava a baixar lentamente. Ali da ponte podíamos observar a regressão das águas com o lento aparecimento da praia do Náutico Clube.

Quando chegava setembro essa praia alcançava a metade do rio. Atravessavam-no com facilidade os bons nadadores. Eu abraçava uma câmara velha de pneu e ia batendo os pés.

A grande diferença desses dias para hoje é a cor da água. No período da baixa ficava bem limpa, nada parecida com a que é hoje. Se formos achar comparação era como a água do rio Manso que ainda é bem limpa.

Naqueles dias, a beira do rio era disputada por pescadores, bonito de se ver. Pegavam-se muitos peixes.

O antigo mercado de peixe era um espetáculo. Podíamos ver cambadas de pacus, piraputangas, enormes pintados, jaús e cacharas. À tardezinha chegavam os pescados de Santo Antônio. Era uma festa, o chão ficava forrado. Era comum a presença de turistas encantados com a riqueza de nosso rio.

Na parte lateral que dava para o rio, muitos homens aguardavam com carrinhos de mão, desses típicos usados em construções. Eles abasteciam seus carrinhos com peças variadas e de lá saíam para vender em toda Cuiabá.

Quem não se lembra do grito vindo da rua?

- “Peixeeeeeiiiroo!”

Era barato, todo mundo comia e se refestelava. Hoje peixe é comida de graúdo.

Sobraram os de criame para a população, que por mais bem feito que seja não tem o mesmo sabor. Boa parte guarda no final um amargo gosto de terra, que para os mais cínicos pode ser definido como o verdadeiro terroir da nossa culinária.

As peixarias de Cuiabá praticamente só usam peixes de tanque.

Para os que gostam de comer com sabor é necessário meter fundo a mão no bolso ou recorrer a uma ida a Barão de Melgaço.

A ausência de conforto nos pequenos estabelecimentos é compensada com o desprendimento de um delicioso peixe como deve e antigamente era feito por aqui.

Coisa muito simples e de paladar.

Num pequeno e simples bar, se assim desejar sua mesa pode ser colocada na praça em frente. Acabará almoçando embaixo das velhas árvores de uma forma bem bucólica. O calor é remediado com uma cerveja bem gelada.

As peixarias atuais em Cuiabá não mais convencem. Oscilam de um dia para outro, podendo às vezes ser bastante desagradável o comer. Não confio mais para levar visitantes de outras plagas para se comer um peixinho. Prefiro fazer em casa.

Algumas peixarias buscam inovar tentando transformar o sabor insosso do peixe de tanque colocando queijo, presunto e outras misturas. Não convence quem conhece.

São muito comuns alguns cozinheiros esconderem o pouco sabor da carne de má qualidade a enchendo de molhos e condimentos.

Alguns buscam oferecer algumas novidades, tal como o jacaré. Aqui parece se servir somente a parte mais fibrosa do rabo. Educadamente pode se responder que lembra uma galinha dura sem sabor.

Um outro dia estava eu e um amigo autonomeado grande conhecedor das artes do bom comer. Comecei a reclamar da qualidade de nossos pescados.

Estávamos num restaurante dito très plus chiq. Ele com ar de enfado disse que eu era um ignorante na questão. Resmungou que ali mesmo estava comendo um delicioso peixe.

Perguntei que peixe era aquele, tão saboroso assim.

Saint Pierre, respondeu o sábio e glutão amigo.

Nada respondi.

Para quem não sabe, o Saint Pierre é a vulgar e feiosa Tilápia.

...

*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT


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