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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros

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Os tais americanos
13/04/2011

Por muitos anos o brasileiro acreditou ou foi levado a acreditar que a culpa de seus males vinha do estrangeiro. Se alguma coisa não estava certa logo arrumavam um culpado. Geralmente algo ou alguém além de nossas fronteiras.

Aqui não existia a incompetência. Se algo não funcionasse um bode expiratório logo era apontado. Por muitos anos o culpado foi o governo dos Estados Unidos.

Quando criança tinha medo dos americanos. Se a geladeira de casa quebrasse, a televisão enguiçasse era coisa dos americanos. Era devido aos tais satélites deles diziam.

Manezão que cuidava da chácara de meu pai dizia que as vacinas eram um veneno inventado pelos gringos para matarem os brasileiros. Quando surgiu a vacina de pistola ele estabeleceu a certeza.

Quando me levaram para vacinar achei que ia morrer e pela primeira vez comunguei com honestidade. Benza Deus! Rezei muito naquela tarde.

Na concepção de muitos adultos o Brasil não crescia porque era explorado pelos gringos. Eles sempre estavam de olho nas riquezas minerais, diziam os meus professores com ares de sabedoria.

A primeira vez que vi um americano foi um médico que passou por Cuiabá sabe-se lá por qual o motivo. Provavelmente ele deve ter vindo a serviço de o imperialismo espionar o Pantanal.

Lembro que o meu pai pediu para me comportar bem. Ganhei até roupa nova e me esfregaram muito no banho.

Ele veio com a sua filha. Uma típica americana de cabelos ruivos, sardenta e olhos claros. Corria atrás do meu cachorro repetindo - ”Dógui! Dógui!”. Fiquei apavorado.

Escondi todos meus brinquedos. Diziam que os americanos tomavam as coisas de todos. Para o meu alívio a presença dos ianques em minha casa não passou de uma visita rápida.

Nas despedidas, da calçada, as crianças da vizinhança olhavam para os gringos de forma apalermada. Creio que passamos a ser suspeitos de perigosos envolvimentos com o imperialismo burguês. Lembro que após me olhavam de forma ressabiada.

Após a visita, o meu pai, com muita calma, me explicou que eles eram um povo como qualquer outro e que as histórias que contavam eram pura ignorância.

Acreditei meio ressabiado.

Cresci e aprendi a respeitar o povo norte-americano.

Esses dias eu li que o presidente da Venezuela num pronunciamento culpou os americanos pela ausência de vida em Marte. Antes ele já tinha dito que nos Estados Unidos existia uma máquina que fazia terremotos.

Um outro dia certo presidente da América Central, que havia sido deposto e se refugiado na embaixada do Brasil, foi fotografado com a cabeça envolta em papel de alumínio. Depois ele afirmou que assim se protegia de raios ultra-alguma-coisa que os americanos estavam usando para cozinhar seu cérebro.

Fiquei preocupado.

Parece que alguns pais esqueceram de esclarecer algumas bobagens para suas crianças.

E elas cresceram acreditando.

Aqui mesmo em Cuiabá tem gente que acredita em cada coisa, mas essa é outra história.

...

*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT


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