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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Como o tal de Natal
25/12/2011
Veneza fez parte de sua vida desde sempre. Não a cidade da Itália, mas a confeitaria que, no nome ostentava sua pretensa origem: veneziana. No mesmo ponto permanente na rua interna, imprensada entre a orla e o morro (cujo sonho era mergulhar no mar, tão próximo estava dele), ali, onde o homem havia chegado e plantado uma barreira tripla de prédios entre montanha e seu sonho, estava encravada a Confeitaria Veneziana.
Se sua primeira lembrança de vida era pilotando um velocípede branco e preto, com detalhes em vermelho, pela pista de tacos portugueses e tapetes persas do apartamento aonde nasceu, a segunda era lá.
Depois dos sorvetes de casquinha com sua lambança natural, as bombas de creme e chocolate eram as melhores escolhas na vitrine de tentações. Incomparáveis, com seu recheio cremoso, a massa fresquinha e aquela casquinha que se desmanchava na boca.
Beliscando a cobertura de chocolate perdeu a mão e a delícia foi ao chão. O choro foi evitado pelo tio que havia proposto a excursão e prontamente entregou seu maná similar – só que de creme.
Antes da primeira mordida, preferiu enxugar as lagriminhas de criança que já pulavam desobedientes, mesmo sem ter tempo de abrir a sirene. Atrapalhada tropeçou no degrau e lá se foi a segunda bomba, antes que o tio malabarista tivesse tempo de resgatá-las no ar em segurança, a criança e doce se esborracharam, depois do segundo quicar no vidro do balcão. Esse, ele quase pegou. O berreiro foi inevitável, com dupla motivação.
Só diminuiu quando o santo “pucaria” do tio conseguiu alcançar mais um exemplar desta vez – grande consolo – de chocolate, avisando que era a última, “por que o dinheiro tinha acabado”. A criança que só entendeu a parte do “não tem mais”, já que nem desconfiava que diacho seria esse tal de dinheiro.
Ele a pegou no colo prometendo que sentadinha no balcão estaria mais tranqüila pra saborear o quitute. Sem riscos. Isso, se o doce tivesse conseguido chegar incólume até o elevado patamar. Por que no tranco de ser levantada... De novo! Tadinha da criança. Ficou só com a forminha e o papel celofane, escorregadio e traidor entre os dedos miúdos.
A crise se configurou. “Três bombas ao chão? Essas eram de comer e não pra explodirem a Veneziana!” O tiozim perdeu a paciência enquanto o brado da sirene aumentava a cada lembrança de bomba mal lançada. “Agora não tem mais, acabou o meu dinheiro (que diabo era isso, pra uma criança de dois anos?)” Essa foi a sentença do “Pucaria” que elevou à potencia máxima os decibéis da choradeira.
O socorro veio do atendente: “Toma essa, vi que estava escorregando e entreguei de mau jeito.” As lágrimas foram engolidas junto com os pedaços mordidos com todo o cuidado.
A lembrança Veneziana e da generosidade de seus funcionários permaneceu por uma vida inteira. Nela, a confeitaria virou bar, se transformou num restaurante dos bons por que, assim como o Pontinho, no Bairro Peixoto, é conhecido entre motoristas de táxi (isso diz tudo) como um lugar agradável, de comida honesta.
Quem passa em frente a Veneziana hoje, verá uma enorme obra, motivo pela qual está fechada há meses. Nos últimos dias, pelas grades levantadas e portas abertas, os moradores acompanham o final da empreitada, aguardando novidades. Ansiosos para reincorporarem às suas vidas um estabelecimento que, mais do que fazer parte da paisagem, exemplifica o milagre da generosidade, do renascer. E se renova como o Natal.
Nós moradores, agradecemos aqueles que, quase Papais Noéis, nos presenteiam com o nosso Leme de sempre!
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte da Unidos do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série e “Ponta do Leme”, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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