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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
É zona e pronto!
06/05/2012
Uma parte do meu eu aqui, toda embalada em caixas, jornais velhos, plástico bolha, sacos de roupas, livros, papéis e muita, muita poeira. Outra já no novo apartamento, sem saber onde estão as coisas.
Meu mundo não está caindo, mas está uma chacoalhação só. Parece até um terremoto em que coisas que realmente importam estão misturadas com o que não é essencial, mas faz parte da confusão, agora ambulante.
Daqui a pouco tudo vai melhorar com a chegada do meu anjo da guarda principal, aquele que nenhuma oração será suficiente pra agradecer e louvar seu cuidado e amor. E olhe que pra aguentar o tranco, tem que ser muito de tudo. Com direito a atenção re-dobrada nas idas, vindas, permanências e ausências. Não é para qualquer um esse papel.
Mas, no momento, estou eu e só. Cercada de carregadores por todos os lados, tentando estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Isso está fazendo desse movimento um tempo muito estranho. Não há espaço entre o carregar e o entregar, tudo acontece de maneira paralela, sem intervalo nem pra um mero de adeus. Sai daqui, atravessa a rua, entra na garagem e pronto, já está tudo (zoneado) no novo lugar.
Morro de medo de usar essa gíria. Zoneado. Lembro que eu, um dia, cheguei numa repartição pública estadual da área da cultura e usei a expressão: “Isso está uma zona, onde foram parar os meus papéis?” Minha nossa, a funcionária padrão, umas solteirona jurássica subiu nas tamancas, e eu, sem entender o motivo do estrilo. Afinal, eram os meus formulários que estavam sumidos (e, diga-se de passagem, nunca foram encontrados).
Ela dizia que a estava desrespeitando. Perguntei a razão e, entre uma bufada e outra, ela me disse que eu a estava desrespeitando, chamando de prostituta. Não precisa dizer que fiquei na mesma até conseguir arrancar da ofendidissima senhora que zona, em sua cabeçinha poluída, não era um sinônimo de bagunça, como no Rio. Era apenas e tão somente a palavra inicial do termo “zona de baixo meretrício”.
Tentei explicar pra criatura que no sul maravilha a palavra era usada de forma mais inocente, sem essa conotação, digamos, pecadora. Mas ela, no embalo, querendo desviar o foco do sumiço dos documentos, não saía do rame-rame da ofensa inexistente.
Acabei perdendo a pouca paciência que me restava e parti pro esclarecimento direto: “Minha senhora é claro que eu não quis lhe ofender, nem a chamei de puta. A senhora sabe por que?”, perguntei. Ela, tadinha, mordeu a isca e perguntou a razão. Mandei na lata. “Por que só um cego não vê que você não poderia ser moça da vida: velha, feia e com esse estilo perua árvore de natal, poderia ser, no máximo a cafetina- mor. E, como empresária, deveria se sentir, isso sim, lisonjeada com a propaganda que eu involuntariamente estaria fazendo do seu pseudo-estabelecimento.”
Não é necessário dizer que no decorrer do meu processo cultural em Mato Grosso o mínimo que aconteceu foi sumir não uma folhinha, mas TODA a documentação do meu projeto. O que me levou, inclusive, a ir parar numa lista dos devedores culturais sem ao menos ser comunicada. Anos depois, quando tentei entrar com outro projeto na secretaria, é que me disseram que eu estava na relação de inadimplentes. Só consegui provar minha inocência por que nunca jogo nada fora e meu destrato havia sido publicado no Diário Oficial.
Talvez isso explique por que minha mudança é um mar de papéis. É um preço baixo para quem pode precisar provar sua inocência. É, por que a funcionária padrão segue na ativa e sabe lá quando vou precisar mergulhar nos meus alfarrábios em busca de um documento comprobatório.
Pago o preço. Mas assim como minha mudança, continuo considerando e dizendo em alto e bom som que acho certas áreas da vida pública de uma... ZONA!
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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