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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Chacoalha e cai, levanta e vai
13/05/2012
Antes de mais nada o essencial: hoje é sexta feira, são duas da tarde, o sol brilha, o vento sopra preguiçoso e eu estou no meu devido lugar, a praia da Ponta do Leme, fazendo o que mais gosto. Escrevendo uma crônica falando do meu paraíso.
A água está transparente e a maré baixa parece ter domado a força das ondas que ontem estavam mais para surfistas do que para os peixes.
Hoje, não há espaço nem altura para manobras radicais. No máximo, um jacarezinho de marola.
Parece que Abreu, o mês do chacoalha passou. Veio maio com o dia das Comunicações e aniversário de Cândido Rondon o pai da coisa toda, chegou a libertação dos escravos e as coisas parecem que vão dar uma aliviada providencial, diga-se de passagem.
Mudei sim, involuntariamente, mas tive a sorte de poder ficar no meu chão. A Ponta é meu limite. Continuo no lugar que pedi a Deus!
O problema agora, que não é bem um problema, mas dá trabalho, é romper as amarras e soltar o excesso de peso acumulado pelos 10 anos de quase imobilidade no mesmo endereço no carioca.
Digo quase por que, enquanto estive ancorada na Gustavo Sampaio, morei em, pelo menos, quatro outros endereços: dois em Cuiabá, um na Chapada dos Guimarães e outro em Brasília, não necessariamente nessa ordem.
Fiquei, no mínimo, cinco meses em cada um desses lugares trabalhando. Explico isso para justificar algumas muitas coisas que tenho em... dobro.
Por aí você pode tem uma ideia do tamanho do desapego necessário para me livrar do que sei, daqui a pouco, pode me fazer falta.
Para acrescentar uma pitada de tempero à aventura suicida da expedição joga fora no lixo pense em todo mofo acumulado com maresia que recobre parte substancial do conteúdo de dezenas de caixas e sacos de roupas, livros e objetos somente identificados pelas lembranças dos fatos passados com que tiveram alguma relação.
A esta equação acrescente a variante da poeira asfáltica entranhada por meses de obras nas ruas do bairro (que mais pareciam buracos de toupeiras) procurando a rede de esgoto em reforma sobre camadas e camadas de esparadrapos e remendos feitos durante anos a fio pelas vias do Leme.
É dose! E haja crise de alergia a mofo, fungo e ácaro para manusear quase meio século de reminiscências sentimentais e profissionais grudadas pelo ar marítimo que sempre invadiu a praia do meu lar.
Por isso estou aqui, nesse horário tão peculiar, entre uma crise de rinite e uns quantos espirros, tentando desintoxicar meu corpo e explicar ao meu nazinhinho que tal esforço é pinto diante do fato de poder permanecer no meu chão arenoso, molhado pelas águas do oceana Atlântico que lambem meus pés.
Sabendo que, ao voltar ao esforço concentrado de selecionar o que considero essencial para o resto de minhas lembranças, vou mergulhar novamente em histórias que já vivi, mas ainda não contei inteiras e, para fazê-lo, vou precisar de referências que posso estar desprezando no meu afã de aliviar o peso do lastro da minha embarcação.
Ela que, cheguei à conclusão, precisa ser mais leve e ágil para singrar o mar da vida e enfrentar as tempestades que (sempre) virão.
Em tempo: o bom tempo tem tempo para durar.
Em dois dias há previsão de viração e o mar, que hoje é calmaria, deve deixar seus cabelos de espumas sobre as ondas enormes despenteados a cada rajada do vento assobiador que está para chegar.
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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