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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Régua, esquadro e compasso
10/06/2012

Não tem jeito. É com régua, esquadro e compasso que se calcula o espaço. “Pode usar o GPS e simplificar tudo”, diz uma vozinha interna matreira querendo confusão logo no primeiro parágrafo da crônica, ainda engatinhante. E só pra soprar besteira: GPS apenas digitaliza a sistemática. Não mudou o principio espacial/matemático. Trocou o plástico/madeira da régua e do esquadro, e o metal do compasso por uns chips e circuitos, mas manteve os fundamentos. Captou?
Saí de uma obra e caí na mesma uma rua para trás, acredita? No último ano, a rua onde morava passou por uma série de obras de infraestrutura para resolver de vez o problema da rede de esgoto do bairro. “Quem bonzinhos”, pensa você, “que governo”! Coisa nenhuma, a intervenção deve-se aos planos de megaempresários e – sempre eles - políticos cariocas de “elitização” das favelas e, no caso do Leme, fazer um upgrade nas moradias do Chapéu Mangueira e Babilônia, inclusive com a construção – pasmem – de prédios. Para viabilizar a heresia precisavam solucionar os problemas de esgotamento sanitário, facilitando – e valorizando - o “avanço” morro acima. As obras começaram na rua da frente, passaram para a de trás e subiram a ladeira Ari Barroso, causando uma incrível alteração na rotina dos moradores. Onde há obra interrompe-se o tráfego. Lá em cima só tem uma rua para subir e para descer. Imaginaram o transtorno?
Meu sacolejo me colocou justamente na quina. Num andar perfeito para observar a movimentação do pé da ladeira. Com vista para a rua e a subida, até a primeira curva. Quando me mudei, conversando com um encarregado da obra, perguntei se os prazos previstos seriam cumpridos, já que eu estava “acompanhando” os trabalhos e, claro, saturada das britadeiras, apitos e motores desde a antiga rua. Lá, havia sido quase um ano de bagunça. Ele me surpreendeu prevendo que o fim do sofrimento seria antecipado para meados de junho. Havia uma “ordem” para que a UPP do Leme fosse umas das visitadas durante a Rio+20. Resumindo, o prazo para a entrega do pacote é essa semana!
Quando soube a façanha que tentariam fazer passei, com a ajuda de um olheiro cuiabano, o jornalista e quase arquiteto Cacá de Souza, a monitorar os trabalhos. Nunca pensei que minha janela pudesse proporcionar tantas emoções e provocar tamanho interesse! Depois, compreendi que esse é um filme que, diz a lenda, vai terminar muito em breve por aqui. Mas, no caso da sede da Copa do Pantanal, “mal e má” começou. Pois faço questão de deixar meu testemunho desta experiência.
Nas últimas semanas, lá em cima, no meio das obras, um poste caiu abalado pelas máquinas. Acabou a luz em parte das moradias e outra também ficou sem água. Estourou um cano. Os bueiros aqui da esquina se encheram de água e a terra das obras desceu, entupindo-os (enquanto tentavam recuperar o cronograma perdido, vi subindo as partes do palanque ou da UPP que será montado(a) na favela). A terra, que desceu se esparramou na rua, secou e os protestos obrigaram os responsáveis pela obra a molharem o asfalto, por causa da poeira que invadia os apartamentos.
Quando a situação foi resolvida o tempo virou. Uma tempestade de horas transformou a ladeira numa cachoeira (ops!) e, é claro, os bueiros não deram vazão. O buraco aberto sem proteção dentro do qual passa toda a fiação subterrânea da rua, (que não tem fios aparentes nos postes) primeiro encheu de água, depois recebeu uma incrível quantidade de terra. Aquela que os caminhões caçambas passaram a semana toda subindo. Buraco, canos e tubos, tudo soterrado! Sentiu a responsabilidade?
Não sei como será o dia D, mas sei que o atropelo é inevitável com régua, esquadro e compasso, ou GPS. Isso diz alguma coisa pra quem adiou, por causa da chuva, o início das obras viárias em Cuiabá?
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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com


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