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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
O riso alegre do Rio
22/07/2012

“Hoje eu não quero chorar, hoje eu não quero sofrer. Guardei a tristeza lá fora, mandei a saudade esperar...” Por que, lá do fundo do profundo poço, surgiu um sorriso. O sorriso.
Vi na capa de um jornal. Nela um personagem exultante, vestido de laranja segurando sobre os ombros uma bandeira do Brasil, rasga o espaço de corpo inteiro. Corpo e alma. Trata–se de Renato Sorriso, o gari carioca que vai encerrar as Olimpíadas de 2012, em Londres, representando o Rio de Janeiro, próxima parada dos jogos mundiais.
Conhecia o Sorriso de vista de alguns carnavais quando, em 2000, fui trabalhar na produção de um filme institucional sobre a Cidade Maravilhosa, chamado “Rio Incomparável”.
Peguei o bonde andando, já com alguns dias de filmagem e, ao me incorporar a equipe, fiquei encarregada de cuidar do elenco do dia composto por atores e figurantes acomodados numa van e iam sendo distribuídos nas filmagens nos pontos turísticos do roteiro. Foi entre eles que (re) conheci Renato Sorriso, o gari que encerraria o filme.
Foi um longo dia em que tive a oportunidade de constatar que o sorriso do Renato não era apenas uma expressão facial, mas um estado de espírito composto de gentileza, educação, humildade e simpatia.
Ele rodou o dia inteiro com a equipe. Sua participação, atrás do Museu de Arte Moderna, no cenário do Aterro do Flamengo, com a enseada de Botafogo e o Pão de Açúcar ao fundo, tinha que ser ao cair da tarde quando a luz estaria no ponto desejado pelo diretor de fotografia Lula Araújo.
Claro que meu vício jornalístico foi maior e, depois de almoçar ao lado dele, já estava com a ficha completa do gari. Sabia inclusive, a merreca que ele ia ganhar para “assinar” a produção que correria o mundo como peça de propaganda da campanha publicitária que venderia o Rio de Janeiro no exterior.
Um detalhe, diante das histórias saborosas e do carinho do Renato que, não conseguindo ficar parado, acabou de assistente da assistonta que vos narra. Finalmente, quando chegou a hora de sua participação, acabou dando uma aula sobre vassouras da Comlurb, se recusando a contracenar com um exemplar genérico para não denegrir a imagem de seu material de trabalho!
Nunca mais perdi Renato de vista. Adoro o cara e sinto modéstia a parte, a cada reencontro, sempre emocionantes e cheios de registros fotográficos, que a recíproca é verdadeira. Todos os anos nosso encontro é inevitável, tem data e local marcados: na Sapucaí, no carnaval.
É o único momento em que – sei - coloco meu equipamento em risco ao abraçá-lo bem apertado ciente de que seu suor abundante, provocado por seu desempenho ao sambar pela avenida afora, pode causar “danos enxugáveis” às lentes e máquina fotográfica, mas que sua energia boa não tem preço sendo um dos sinais que, mais uma vez, estou no local certo, fazendo a coisa certa, por mais um ano, graças a Deus!
É quando saio do meu papel de fotógrafa compenetrada e me permito “brincar”! Normalmente de roubar sua vassoura quando ele a deixa equilibrada e sai para sambar para o seu povo das arquibancadas. Foi assim que, há alguns anos, fui flagrada num desfile do grupo de acesso pelas câmeras de uma TV: de molecagem com o sorriso do Renato. A quem declaro meu representante pessoal e intransferível da alegria carioca. Por que ele, que chegou de mansinho e humildemente estabeleceu seu reinado incondicional de gentileza e amizade, merece ser reconhecido, acarinhado e coroado!
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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com


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