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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Simples, assim
29/07/2012

Houve um tempo em que não era. Escrevia muito, escrevia sempre e ia liberando aos poucos as crônicas semanais de acordo com o astral da ocasião. Sexta a tarde, na Ponta do Leme, era pule 10 fartura da produção. O tempo passou e o que nunca acreditei ser possível, aconteceu: as crônicas que, pensava eu, teriam um caráter transitório, viraram um hábito de anos.
Já não sei quem nasceu primeiro: os textos ou o prazer de escrevê-los qual um ritual que, a princípio, era meio AA (Alcóolatras Anônimos). “Uma de cada vez”, dizia a cada nova publicação. Se funciona com o processo literário, é por que faz efeito para situações mais sérias e delicadas...
Não que não haja seriedade no que faço, ao escrever. Tanto há que depois de muitas luas a fome se juntou a vontade de comer e todos os meus queridos editores definiram o meu deadline, o limite para entrega do material, para a sexta-feira, às 15 horas, horário de Brasília.
Uma beleza e a certeza de que as mal traçadas linhas no caderninho nem terão tempo de secarem direito antes de serem digitadas para seu envio às prensas e sites.
Por isso, informo, estou aqui. Plena na praia da Ponta do Leme, sob um sol de rachar e uma ventania teimosa e enganosa.
Teimosa por descabelar o mar, adornar seu azul-esmeralda de carneirinhos brancos, obrigando as gaivotas a darem um duro danado para manter o rumo desejado, deixando os surfistas a verem os navios que esperam a maré alta para entrarem na Baia de Guanabara. Por que o mar, apesar de batido, cheio de correntezas e valas, está uma droga para os atletas, com ondas baixas disformes e mexidas.
Isso é o entorno, por que o contorno está um caos. Não há barreira nem peso que segure a canga, lotada da areia que passa - enlouquecida e desgovernada - levada pela ventania. Aquela que pinica nas partes do corpo em que bate, gruda e vai com a gente pra casa escondida nos cabelos, nos cantos da bolsa, do bolso do short, nas dobras da camiseta, no meio do livro, no caderninho...
Essa é a parte da teimosia. A do engano, além de tudo, pode ser dolorosa. Especialmente para os turistas desavisados e despreparados que não conhecem as manhas da praia em dias de viração. Eles, que de tão fortes provocam arrepios de frio, por que vem do sul, são os mesmos ventos que mascaram a força dos raios solares que estão tinindo no veranico de meio do ano. O resumo da ópera são as queimaduras inesperadas, aquelas que só descobrimos quando a água quente do chuveiro toca na pele castigada pelo sol inclemente.
Para fechar meu espaço literário dominical, duas observações. Uma nunca havia visto, outra, que fazia tempo não via.
A primeira, os grãos de areia abusados grudado na tinta da ponteira da caneta que estou usando que fazem falhas minha escrita praiana.
A segunda, as várias piscinas na beira da água, onde crianças se divertem e, protegidas pelos caprichos esculturais da maré baixa, não se incomodam com o desconfortável entorno provocado pela tempestade de areia que assola a minha Ponta, sob um sudeste poderoso. A ponto de tirar da paisagem a enorme bandeira brasileira que sempre tremula hasteada no Forte Duque de Caxias, no alto da Pedra do Leme. Sinal dos tempos, aviso dos dias que estão para chegar...
Agora peço licença, caro leitor, mas vou ali, até uma das piscinhas naturais, formadas pela maré, brincar de fazer castelos de areia e olhar o mundo sob o ponto de vista das crianças. Simples assim...
Por que hoje é sexta, estou na Ponta e a crônica já está misturada, só falta descansar para poder ir pro do forno.
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com


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