capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 23/11/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.917.712 pageviews  

Curto&Grosso O que ainda será manchete

TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto

Outras colunas do Tema Livre

Galinha morta
12/08/2012

Não andou de diligência, mas passeou de carroça e trem com banco de madeira. Atravessou São Paulo de Bauru a Campo Grande, desembarcou em Aquidauana e tomou trecho de estradas sem asfalto até Ponta Porã. Imagine cair em Pedro Juan Caballero: dois países e uma linha, mulheres de calça comprida e saias por cima. E o guarani. No espanhol se comunicou rapidinho, mas o guarani era uma atração. Na vila militar o monte de regras era uma continuação da terra vermelha sem asfalto, as vacas pastando no campo de polo depois de aperitivarem as rosas dos jardins da mãe, por cima do muro ou entrando no quintal pelo portão que algum desavisado deixou só encostado.

Vacas não fazem parte da fauna familiar. Cachorro, o Quarup, e coelho fazem, além dos animais minúsculos como grilos, besouros e louva-deuses que a irmã, que quer ser entomologista, usualmente carrega nos bolsos dos casacos. Lembra perfeitamente de um de lã vermelha com a bicharada ressecada depositada no fundo do bolsinho.

Foi lá que aprendeu a andar nos muros. Era mais prático que fazer o caminho normal. Passar pelos portões, contornar o quarteirão. Era por eles, os portões mais baixos, o ponto ideal para alcançar os altos dos muros laterais e seguir pela via aérea, de vez em quando beirando o telhado de uma churrasqueira e evitando as passagens acrobáticas por entre as árvores debruçadas sobre os paredões, normalmente mangueiras (fácil), laranjeiras e limoeiros (com espinhos), amoreiras (queimaduras de marandruvás) e bananeiras (formigas).

O problema era não matar a vizinhança de susto. Já bastavam as brigas quando a galinha do vizinho resolvia ciscar no quintal alheio e por lá batia as botas, sendo encontrada por uma das crianças, meio comida pelo cachorro da terceira casa.

Difícil o alheio explicar para o enfurecido ex-dono do galináceo que não foi o meigo Quarup o responsável pelo assassinato, nem o mesmo foi premeditado, sem amplificar o caso da mordida e dedurar diretamente o cachorro feroz da terceira casa. Afinal se o cão se parece com o dono o que esperar? O truque era estar preparado para pular para o terreno do lado oposto em caso de um avanço traiçoeiro do cachorrão que já latia como se não houvesse uma miríade de felinos passantes pelo local. Nas brincadeiras de polícia e ladrão saber o percurso dos muros era uma vantagem e tanto.

Saber subir em árvores também. O pé de cinamomo que o diga. Incrível como os perseguidores nunca olham para o alto quando procuram suas vítimas. Também é um ótimo elemento surpresa em emboscadas. Foi lá, nessas brincadeiras que aprendeu que se misturar é essencial. Nada só de meninos ou meninas, filhos de militares ou “civis”, brasileiros ou paraguaios, ricos ou pobres. O segredo é o “e”: meninas e meninos, civis e militares, brasileiros e paraguaios. E! E. E..., e?

Aprendia a ser paraguaio de pequeno, paraguaio do interior, diga-se de passagem. Quando era criança entendia um pouco o guarani. Hoje, nem isso. Mas não deixou de ser leal ao povo que tão bem o acolheu. Foi quando começou pelo começo a entender o pensamento do paraguaio e, para isso, a primeira regra é não pensar como brasileiro.

Mudar o foco e, radicalmente, seu ponto de vista. Eles não são o que pensamos ou queremos que sejam. Têm sua história, uma linda e, em alguns momentos, triste trajetória. Não têm porque nos olharem com quem olha seus salvadores. Somos seus algozes, sempre, até que provemos o contrário. E quem se arrisca a isso? Contra a realidade, não há argumentos.

O que para nós é golpe, com reflexos diplomáticos e internacionais, que dão brecha para o Mercosul abraçar o bolivarianismo venezuelano, para eles é uma questão de sobrevivência. Temos que ter em mente que é a história deles e que eles a farão como podem e acham que devem. Que a energia de Itaipu deve reverter em benefícios para a população paraguaia é fato. Lugo reivindicou isso e os preços de aviltantes passaram a módicos. O novo presidente faz a mesma coisa. Por que afinal, o Paraguai deveria aceitar passivamente o papel de galinha morta do quintal alheio?

...

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM. delcueto.cia@gmail.com


OUTRAS COLUNAS
André Pozetti
Antonio Copriva
Antonio de Souza
Archimedes Lima Neto
Cecília Capparelli
César Miranda
Chaparral
Coluna do Arquimedes
Coluna do Bebeto
EDITORIAL DO ESTADÃO
Edson Miranda*
Eduardo Mahon
Fausto Matto Grosso
Gabriel Novis Neves
Gilda Balbino
Haroldo Assunção
Ivy Menon
João Vieira
Kamarada Mederovsk
Kamil Hussein Fares
Kleber Lima
Léo Medeiros
Leonardo Boff
Luciano Jóia
Lúcio Flávio Pinto
Luzinete Mª Figueiredo da Silva
Marcelo Alonso Lemes
Maria Amélia Chaves*
Marli Gonçalves
Montezuma Cruz
Paulo Corrêa de Oliveira
Pedro Novis Neves
Pedro Paulo Lomba
Pedro Pedrossian
Portugal & Arredores
Pra Seu Governo
Roberto Boaventura da Silva Sá
Rodrigo Monteiro
Ronaldo de Castro
Rozeno Costa
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
Serafim Praia Grande
Sérgio Luiz Fernandes
Sérgio Rubens da Silva
Sérgio Rubens da Silva
Talvani Guedes da Fonseca
Trovas apostólicas
Valéria Del Cueto
Wagner Malheiros
Xico Graziano

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
26/12/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
21/12/2020 - ARQUIMEDES (Coluna do Arquimedes)
20/12/2020 - IDH E FELICIDADE, NADA A COMEMORAR (Fausto Matto Grosso)
19/12/2020 - 2021, O ANO QUE TANTO DESEJAMOS (Marli Gonçalves)
28/11/2020 - OS MEDOS DE DEZEMBRO (Marli Gonçalves)
26/11/2020 - O voto e o veto (Valéria Del Cueto)
23/11/2020 - Exemplo aos vizinhos (Coluna do Arquimedes)
22/11/2020 - REVENDO O FUTURO (Fausto Matto Grosso)
21/11/2020 - A INCRÍVEL MARCHA DA INSENSATEZ (Marli Gonçalves)
15/11/2020 - A hora da onça (Coluna do Arquimedes)
14/11/2020 - O PAÍS PRECISA DE VOCÊ. E É AGORA (Marli Gonçalves)
11/11/2020 - Ocaso e o caso (Valéria Del Cueto)
09/11/2020 - Onde anda a decência? (Coluna do Arquimedes)
07/11/2020 - Se os carros falassem (Marli Gonçalves)
05/11/2020 - CÂMARAS MUNICIPAIS REPUBLICANAS (Fausto Matto Grosso)
02/11/2020 - Emburrecendo a juventude! (Coluna do Arquimedes)
31/10/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - As nossas reais alucinações (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - PREFEITOS: GERENTES OU LÍDERES? (Fausto Matto Grosso)
26/10/2020 - Vote Merecimento! (Coluna do Arquimedes)

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques