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TEMA LIVRE : Coluna do Arquimedes
O sonho e a realidade
06/09/2012
Está ficando batida a ideia de que a preservação ambiental, muito mais do que um imperativo do nosso Planeta Azul, transforma-se – perigosamente – a cada novo dia, em uma simples e corriqueira figura de marketing. Não é o jeito como devemos encarar a situação, porque é indispensável separar – também aqui – o joio do trigo.
Leonardo da Vinci, um dos próceres da história humana, ainda quando o Brasil era apenas descoberto dizia que “estudar as manifestações da Natureza é trabalho que agrada a Deus; é o mesmo que orar. Procurando conhecer as leis naturais, glorificando o Primeiro Inventor, o Artista do Universo, aprendemos a amá-Lo, pois nesse feito descobre-se que um grande amor a Deus nasce de um grande saber”.
Não nascemos sabendo tudo, mas de tudo um pouco vamos aprendendo vida afora, quando nos determinamos a isso. Passar pela vida de olhos vendados, como se a única realidade fosse aquela que nos interessa, além de egoísta é atitude que nos torna inúteis diante de nós mesmos.
Devemos obrigações àqueles que nos sucedem e uma delas é a de deixar o habitat que os receberá, senão melhorado, pelo menos igual ao que era quando aqui chegamos.
Tangará da Serra contém um dos mais extraordinariamente ricos patrimônios ambientais do Brasil. Dentre grutas, cavernas, rios maravilhosos e de águas invejavelmente cristalinas, a Serra dos Parecis, esse esplêndido e gigantesco espigão que divide as Bacias
Hidrográficas da Amazônia e do Prata, e o magnífico Chapadão dos Parecis, maior extensão de terras planas e agricultáveis do Planeta, pode-se destacar sem nenhum medo de erro ou exagero, a Cachoeira Salto das Nuvens.
Plantada pela Natureza no trecho mediano do Rio Sepotuba, contribuinte da Bacia do Rio Paraguai, a Cachoeira Salto das Nuvens vence a depressão geográfica que a caracteriza, despejando nada menos do que 800 m3 de água, a cada segundo, em épocas de cheia. No período de estiagem esse volume colossal cai para pouco mais de 200 m3/segundo, mas ainda assim superior em quase uma vez e meia a vazão média do Rio Paraguai, em sua passagem pela cidade de Barra do Bugres.
A intenção mercantilista de acabar com esse acidente geográfico de tamanhas e tão belas proporções é, quando nada, um ato de efeito irrisório, do ponto de vista comercial, comparado com o ganho ambiental, turístico e ecológico que naturalmente proporciona a todos nós e à região.
O que, por si só, torna inócua a ideia de ali instalar uma pequena usina hidrelétrica, ou PCH, como modernamente são conhecidos esses equipamentos produtores de energia elétrica.
Fosse a nossa, uma região carente desse tipo de energia, e poderíamos até avaliar com especial atenção, a questão; mas já temos o Complexo do Juba, gerando mais de 130 MWh de energia e a PCH do Sapo, distante apenas 5 quilômetros do Salto das Nuvens, onde os seus empreendedores pretendem gerar qualquer coisa como 5,0 MWh ou pouco mais.
A PCH Salto das Nuvens contribuiria com algo em torno de 20 MWh o que, sinceramente, não justifica trocar tudo o que essa majestosa cachoeira representa ao meio ambiente e ao potencial turístico-ecológico nacional, pelo que a energia elétrica aí gerada poderá significar, no futuro mediato, à economia de Mato Grosso.
A família Waldir Martinez, pioneira na economia de Tangará da Serra e entorno, não sonha transformar aquele tão aprazível e turisticamente potencial recanto, por nada além do que hoje pra ela representa. O Salto das Nuvens, como nos agrada chamá-lo, é patrimônio econômico de Waldir Martinez, mas até mesmo ele é parceiro ao dizê-lo patrimônio sentimental, natural e turístico de todos nós. Mato Grosso não pode abrir mão dessa primazia, seja a que pretexto for. E se o pretexto é só o econômico, é indispensável gritar ao mundo que é pequeno de mais pra justificar tão imenso prejuízo à Natureza.
Uma usina hidrelétrica no local, além de capar a beleza da cachoeira, ainda deixará a descoberto aquela porção de rochas que desde sempre esteve sob as águas do belo Rio Sepotuba. Considerando-se que apenas um máximo de 20% da vazão atual passaria pela cachoeira, instalando-se aí uma PCH não teríamos mais do que míseros 40 metros cúbicos de água por segundo passando por ali, em tempo de estiagem. Significa dizer que o sol passaria a agir diretamente sobre as rochas milenares, tornando-as vítimas fáceis, rápidas e indefesas, da degradação, pelo intemperismo a que estariam expostas.
O Professor Dr. Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, elaborou importante trabalho técnico, com o objetivo de apresentar uma avaliação das principais questões de ordem sócio-ambiental que envolvem as usinas hidrelétricas construídas e planejadas na Região Amazônica continental, abrangendo não apenas o território brasileiro, como também todos os países transfronteiriços.
No trabalho intitulado de “USINAS HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA – O FUTURO SOB AS ÁGUAS”, o autor materializa esta nossa preocupação, ao registrar que “o processo de acumulação do capital desconhece as fronteiras políticas e transforma os rios amazônicos em jazidas de megawatts, promovendo a exclusão social e a degradação ambiental”.
Uma coisa é planejar, projetar e construir Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, onde serão gerados mais de 11.200 MWh de energia hidrelétrica, suficiente pra trazer um pouco mais de tranquilidade ao setor, tranquilizando, por consequência, o próprio Brasil que precisa dessa energia pra crescer com garantias em todos os setores da atividade humana. Considerado o potencial hidrelétrico nacional, somos 100% contra a instalação de usinas nucleares em território brasileiro; não faz nenhum sentido.
Outra coisa é brigar pela construção de uma PCH em terras de Mato Grosso, especificamente no município de Tangará da Serra, cuja capacidade instalada, nem é e nem será significativa, em termos nacionais. Mato Grosso hoje contribui com cerca de apenas 2% de toda a energia elétrica produzida, transmitida e consumida no País.
Isto posto, pensamos que destruir um bem natural de extremos e inestimáveis benefícios sociais - não só no setor turístico, mas ambiental em última instância - a pretexto de produzir quantidades insignificantes de energia elétrica, é trocar o sonho lindo, da família Martinez e de toda a comunidade Mato-grossense, por uma realidade insólita, cinzenta, pequena, desnecessária e injustificável.
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Arquimedes Estrázulas Pires é só um cidadão brasileiro.
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