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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
A mala que abala – o diz a lenda
23/09/2012
Na sexta feira retrasada, estava rabiscando a crônica dominical, “Assalto ao Alto” e, pensava ingenuamente, estar dando por finalizada a prova da gincana “a mala vai para o conserto” ali citada.
Enquanto escrevia as palavras “Antes da publicação desse registro... a mala estará no abrigo do meu lar”, diante dos meus irrequietos pensamentos - sempre mais velozes que a esferográfica - dançava o velho termo cinematográfico familiar, o “diz a lenda”.
Ele é uma brincadeira utilizada quando temos uma informação e muito pouca, quiçá nenhuma certeza, de que algo vá se concretizar ou se tornar uma verdade.
Quando o termo já estava fazendo piruetas e coreografias da Dança do Passinho diante dos meus olhos, cansei de resistir e anexei as fatídicas três palavrinhas querendo dar um ar engraçadinho ao meio da frase final sobre o episódio da mala danificada.
“Afinal, o que mais poderá acontecer?”, pensei otimista na ocasião.
Mal sabia eu, ser descrente da poderosa capacidade intrínseca e mediúnica de prevenção daquelas célebres peripécias lei de Murphianas, que perseguem os puros de espírito, porém destinados a toda sorte, seja ela boa ou má... (Afinal, sem estas aventuras, o que seria dos anos dessas crônicas praticamente interruptas? Um tédio ou o paraíso.) No momento, por exemplo, estamos num processo kafkaniano. Enquanto lá, no original homem vira barata, aqui, se transforma em mala. É, por que na Web Jet, malas andam, se escondem, se disfarçam e se atrasam. Quase vivas, com vontade própria.
A minha tinha que chegar na sexta, mas esta passou sem notícias da devolução da que não estava sem alça, mas com esta danificada. No sábado, perto do meio dia, o telefone toca: será a mala!?
“Estou ligando para saber qual o endereço para entrega da bagagem”, diz a mocinha simpática. “No mesmo lugar em que a buscaram”, respondo sem captar que estava embarcando na nave mãe desgovernada e querendo não ser jornalista, repórter e, modéstia à parte, muito boa de dedução. O desastre se delineava. “Impossível”, retruca, “nós a buscamos no aeroporto”. Ci-la-da, ci-la-da, ci-la-da piscava a luz da porta do endereço que passei sem querer discutir e desliguei.
A tranquilidade durou apenas alguns minutos do, até então, muito agradável dia da sábado. O telefone de novo. “Alô, dona Maria, um momento que seu João, o dono da loja, vai falar”, avisa a mesma moça. “Estamos com sua mala para arrumar. Qual é problema com ela?”, quer saber João. “Como assim?” indago espantada. ”Mostrei o problema do puxador quebrado para o funcionário que veio buscar a bagagem aqui em casa”, explico, jogando a rede sem saber o que viria no arrastão. “Estes não fomos nós, a mala foi entregue para a Rei das Malas no aeroporto”, explica ele, começando mais uma etapa da “Incrível história da mala, etc, etc..”
O pensamento que galopava na cancha reta de que havia dado meu endereço para um desconhecido no telefone acaba sendo alcançado pelo argumento lógico de que só a Web Jet poderia ter fornecido meu contato. Grande coisa, se levarmos em consideração que da loja me dizem que isso acontece quando a bagagem é entregue a qualquer lugar, qualificado ou não para fazer o serviço e acaba indo para lá.
Neste ponto já havia localizado o comprovante que consolidava a confusão ao comprovar que esta loja, a Brasil do recibo que tinha em mãos, não era a Rei com que falava. Todas das Malas. Enquanto falava chequei que telefone da primeira não recebia chamadas e o email retornava avisando que a caixa estava “over quote”. “Não faz mal”, raciocinei, “a mala está em boas mãos”.
Durou pouco a minha alegria. Até João voltar à vaca fria e insistir em saber qual era o problema da bagagem e eu citar a quase moída do punho do puxador. A coisa embolou quando o João fez aquela célebre e odiada pergunta: “Tem certeza? Sua mala é verde?” A cor era essa, mas havia algo errado. A mala que estava lá, não tinha um puxador.
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Esta crônica faz parte da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM. delcueto.cia@gmail.com
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