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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto
Realidade cruel
20/01/2013
Estou tentando ser zen. Mas tá difícil. O sol ilumina minha vida enquanto as copas das árvores que enfeitam minha janela no segundo andar acenam animadas me convidando para ir à praia.
Tenho muito o que fazer, inclusive escrever essa crônica, e um tempo reduzido a ponto de não poder ir até a Ponta do Leme e mal traçar essas linhas no meu caderninho. Nesse momento, o trabalho duplo, escrever/digitar faz diferença.
Se o visual é perfeito, o mesmo não se pode dizer do motor da obra de Penélope do Eduardo Paes prefeito do Rio de Janeiro. Ele continua enxugando esgoto aqui na quina da ladeira.
Que obra! Que perfeição. Era, entre outras coisas, pra acabar com a língua negra que se estende preguiçosa pela areia em direção ao mar há muitos anos. Quando fui pra Cuiabá, em 2011 a buraqueira era embaixo da minha janela da casinha, o apartamento da Gustavo Sampaio. Mexeram na parte de saneamento básico e, para ajudar no conjunto da incomodação, desrespeitaram os moradores ao não seguirem as regras para as obras impostas pela própria prefeitura nos quesitos segurança, sinalização e ordenamento urbano, ditadas pela própria Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos.
Agora, anos depois, consigo detectar a inutilidade do sacrifício dos moradores do bairro. Além de consumir o dinheiro da população, a obra, tocada pela empresa Dimensional para a Secretaria de Habitação do Município do Rio de Janeiro, é um desastre e criminosa. No sentido mais puro da palavra. Foi numa barbeiragem dela que minha avó caiu e quebrou o fêmur.
Quando me mudei para o novo apartamento, um mês e meio antes da Rio +20, todo o cronograma da bagaça já tinha ido pro book naturalmente. A coisa piorou mais ainda com a maquiagem feita pra mostrar o morro pra gringo, no caso o prefeito de New York. Logo depois, é claro que tiveram que, usando britadeiras, quebrar o asfalto recém feito para, então, passarem as tubulações. Coisa de mestre!
Quando tudo parecia assim, meio assado, caiu a primeira chuvinha e a Ribeiro da Costa virou um rio/mar de lama desaguando na Gustavo Sampaio. Metade claro, metade escuro. Esqueceram que 2+1 dá 3 e não 2 e esgoto não faz a curva do joelho. Portanto a tubulação tinha problemas. Na segunda chuva, filmei a tampa do bueiro da ladeira descendo pelo asfalto, depois de ter sido levantada pela força das águas.
Aí eles começaram a enxugar o esgoto. Tipo assim, como quem enxuga gelo. De manhã e de tarde. Vários homens, alguns mergulhados num bueiro de cada vez, outros puxando os dejetos misturados com areia com os instrumentos mais esdrúxulos possíveis e imagináveis.
Tudo isso em meio a falta de segurança, higiene e de sinalização adequada, ao uso indevido do espaço público como canteiro de obras, as denuncias no Ministério Público que promoveram ações cíveis e processos contra tanto abuso. E tudo é pouco, por que a luta é desigual e cruel. Nada detém o rio de dinheiro que está sendo sugado aqui. Meu consolo é o registro sistemático do andamento dos “trabalhos”.
E assim, sem solucionar os problemas existentes, a tal empreiteira ainda está construindo mais 200 apartamentos no Chapéu Mangueira. É pedra cantada que vai dar (mais) problemas.
Isso é pra vocês, caros leitores, não pensarem que o Rio de Janeiro é só a cidade maravilhosa que povoa os meus sonhos quando desligam o maldito motor aqui na esquina...
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*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”, do SEM FIM... delcueto.cia@gmail.com
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