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TEMA LIVRE : Eduardo Mahon
A heresia cuiabana
07/02/2013
A apostasia é o afastamento do fiel dos dogmas religiosos o que, geralmente, ocasiona a heresia. E é sortido o rol de pecados. Parece que um deles é dizer que Cuiabá não estava preparada para sediar jogos internacionais. A inaptidão cuiabana não só exalava heresia suficiente para a excomunhão, como também era um delito de lesa-majestade, contra a organização social e política de Mato Grosso. Os "cultores do mau agouro" não podiam levantar qualquer objeção porque o sentimento patriótico se insurgia e, contra todas as evidências, prosseguiu o governo sob timão sem rumo e sem juízo.
As obras de infraestrutura que Cuiabá precisava para a Copa do Mundo mostraram-se imprescindíveis para a cidade e não para a realização dos jogos. É que a sociedade sentiu o déficit de desenvolvimento que remonta décadas de descaso. Em momentos críticos, onde há demanda por saltos de desenvolvimento, fica evidente a carência de preparo urbano, de planejamento e de políticas públicas. À míngua de um projeto de longo prazo, a cidade caminhou trôpega – nem conservou sua identidade tricentenária, nem partiu para o arrojo modernista. Daí que nossa urbe cuiabana tinha muito mais orgulho do que condições concretas de oferecer condições mínimas para eventos internacionais.
Nossa cidade é pobre. Pobre de espírito público, sobretudo. O lazer resume-se a botecos, porque os parques não são conservados e ampliados, os teatros não se multiplicam, ao contrário, recrudescem; os shows ocorrem em estacionamentos e descampados; os restaurantes não passam por um processo de qualificação; o transporte é truncado e continuará assim, ainda que as obras trombeteiem o contrário. Os governantes desprezam o patrimônio histórico e artístico, quando o mundo inteiro agarra-se aos valores que mais atraem turistas e investimentos. Nossa energia é cara, falha e inconstante. A rede hoteleira engatinha no profissionalismo necessário para ofertar conforto e alternativas interessantes aos turistas.
O que gostamos de fazer quando visitamos uma cidade? Os amantes da cultura visitam museus e mostras importantes, além de exposições de arte e música contemporânea, além de pagar caro para ver bons espetáculos e produções teatrais. Ao sair da nossa cidade, o que pensamos em comer? Fazemos programações diárias em restaurantes onde a gastronomia de alto padrão varia em especialidades para todos os gostos e bolsos. Quando nos encontramos com a natureza ao fazermos turismo, o que pretendemos? Encontrar acesso facilitado dentro e fora da cidade, transporte eficiente e guias treinados, além de um roteiro interessante para investirmos num confortável programa. Agora, respondam: alguém sairia de outro Estado para fazer turismo em Cuiabá? Tudo indica que não.
Adoro viver em Cuiabá. Sou cuiabano por decreto legislativo e por opção de vida. Fui agraciado comendador desta cidade. Estudo a nossa história, coleciono nossa arte, valorizo nossa memória. Findamos vidas aqui e aqui começaremos outras tantas vidas. Gosto de Cuiabá porque sou um teimoso em garimpar lembranças, romances e crônicas urbanas. Penso, entretanto, que não é obrigação do cidadão mendigar informação, cultura e fascinação de viver numa cidade; ao contrário – é a administração da urbe responsável por conquistar o gosto, a preferência, o amor dos próprios habitantes e a admiração de quem vem a passeio.
Serei um apóstata? Um herege? Pecador, talvez, mas não um falso, não um pessimista, não um crônico crítico. Em sete anos, Cuiabá completará seu tricentenário, mas não há nenhum governante que seja capaz de apresentar um plano que contemple a cidade com qualquer tipo de projeto urbanístico ou cultural. Em Cuiabá, o tempo não valoriza o patrimônio que cai e morre. As coisas simplesmente envelhecem e acabam. Felizmente, acabaram-se os autos de fé e os pelourinhos para que possamos dizer o óbvio: a cidade não estava, não está e não estará preparada para o futuro em função da única coisa que ficou bem conservada: a mentalidade centenária e provinciana.
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Eduardo Mahon é advogado
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