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TEMA LIVRE : Valéria Del Cueto

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26/01/2014

Estava lá. No lugar dos seus sonhos mais almejados. Colocou os pés na areia e tomou o rumo do mar. Aquilo pareceria uma propaganda, um comercial do bem viver.

Não fosse a lotação. Fechou os olhos para receber as bênçãos do som do mar e o murmúrio do vento da praia que tanto pedira a Deus durante o último ano de trabalho pesado. Ouviu o funk da barraca da direita, brigando com o pagodão da vizinha da esquerda.

Procurou um espacinho tentando evitar virar figuração da câmera do celular do grupo selfie que animadamente registrava sua passagem pela praia. Ele e as torcidas do Corinthians, Internacional, Cruzeiro etc e tal. As maiores de todos os estados da federação. Tudo ali, na mesma praia. Sonhar não custa nada e viajar para o Rio de Janeiro esteve ao alcance de 2 milhões de pessoas no início do ano. Tudo lá. Ao mesmo tempo.

O próximo capítulo do sonho poderia se realizar a qualquer momento. Bastaria ouvir a ladainha do vendedor ambulante: “Olha o mate, Mate Leão, é o mate de bujãooooo”. Afinal, praia no Rio tinha direito ao único líquido não enlatado ou plastificado que podia ser vendido pelos ambulantes. O título de patrimônio carioca dava à delícia típica das areias escaldantes do Rio de Janeiro, a liberdade de ser misturada de acordo com o paladar de cada um: mate e limão, ao gosto do freguês. Se possível bem geladinho.

Distraiu-se da urgência dando um mergulho nas águas artificialmente coloridas do mar. Segundo as notícias não havia perigo em cair naquele caldo. Eram apenas algas... Abriu espaço num mundo colorido de banhistas que, via-se claramente, tinha o mesmo objetivo: fazer daquela uma temporada inesquecível e mostrar isso. Se possível auxiliado pela tecnologia que permitia enviar as imagens de seu prazer instantaneamente. Cheias de caras e bocas sorridentes serviriam para dirimir qualquer dúvida de que aqueles foram dias maravilhosos.

É claro que não estava em muitas selfies resenhas as enormes filas nos restaurantes, o desabastecimento do comércio, os preços abusivos.

Também não foram registradas pelas câmeras as buscas desesperadas pelo sorvete das crianças, o refrigerante preferido, o pão nosso de cada lanche. Para falar no básico. Não houve referência aos pratos dos cardápios que estavam em falta, ao peixe que não chegava trazido pelos pescadores, ao gelo que triplicou de valor.

Se esses “senões” fossem computados poderiam atrapalhar a intenção e o prazer das chamadas férias inesquecíveis.

Era melhor ignorar a falta d’agua, fazer de conta que não era tão ruim assim ficar sem luz dias a fio e, por falta de energia, perder tudo o que não pudesse ser consumido rapidamente da geladeira, agora armário.

Nem notou que estava na cidade do “não tem” até descobrir que não tomaria naquele dia o mate com limão. Depois de muito esperar o canto dos vendedores, entendeu que sua ausência equivalia a um “não tem”.

“Uma pizza, por favor?” “Não tem tomate seco”. “Uma batata rostie?” “Não tem batata preparada”. “Então um escondidinho...”. “Não tem, a fornecedora não entregou”. “Tem sorvete?” “Não tem”. “Gelo?” “Não tem”. “Então tem o que?” “Também não tem.”

E não registrou os “não tens”. As férias da vida, afinal, não quebraram sua rotina, acostumado que está aos seus “não tem” do ano inteiro: Não tem saúde, não tem educação, não tem transporte, não tem segurança, não tem direitos, não tem...

Pra não dizer que não teve tudo, lembrou uma carioquice pouco conhecida e menos cobiçada. Passou na vendinha e pediu, meio sem esperança: ”Tem aquele docinho de banana, Mariola?” O caixa levantou os olhos da registradora e sorridente respondeu: “Tem!”


...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Essa crônica faz parte da série “No rumo”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


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