capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 21/11/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.909.822 pageviews  

Guia Oficial do Puxa-Saco Pra quem adora release...

TEMA LIVRE : Xico Graziano

Outras colunas do Tema Livre

MST, 30 anos
04/02/2014

Há três décadas era fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Naquela época, com inflação galopante, pouco importava produzir.

A terra configurava excepcional reserva de valor. Por outro lado, cresciam as cidades, inchadas pelo êxodo rural, provocando crise no abastecimento popular. Tempos difíceis.

Originado na luta dos colonos gaúchos que acamparam na Encruzilhada Natalino, entre os municípios de Ronda Alta e Sarandi, o MST surgiu nos braços católicos da Teologia da Libertação. Favorecia suas ações o clima político do País. Em 1982 haviam sido, afinal, realizadas as primeiras eleições livres após o golpe militar e a oposição elegera a maioria dos governadores. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola brilhava com sua retórica.

Com a redemocratização em marcha, grupos alinhados à esquerda botavam suas asas para fora. No Leste, capengava o comunismo soviético; aqui, ao contrário, se animavam as ideias socialistas. Chegara a hora do ajuste de contas com o passado colonial. No campo, isso significava derrotar o latifúndio por meio da reforma agrária distributivista. "Terra para quem nela trabalha" - o slogan alimentava o sonho da justiça social.

Com José Sarney na Presidência da Nova República, o governo surpreendentemente anunciou seu ousado Plano Nacional de Reforma Agrária. Prometia assentar nos lotes, em quatro anos, 1,4 milhão de trabalhadores sem terra. A meta era, objetivamente, impossível de ser cumprida, mas todos nela acreditaram. Formulada nos anos 1960, a teoria do desenvolvimentismo nacional exigia quebrar a concentração da propriedade rural para fazer o País progredir. Reforma agrária, na lei ou na marra.

Nesse contexto vingava o MST, rivalizando com a tradicional Contag, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, entidade criada pelo sindicalismo de Getúlio Vargas. Manipulada historicamente pelo governo, a Contag tornara-se útil ao jogo do poder político. Pelega, como se dizia. A sociedade, querendo mudança, torcia pelo MST, que passou então a simbolizar a nova utopia agrária.

Durante seus 30 anos de existência o MST passou por três fases. Na primeira, logo se expandiu pelo País. Dirigida por jovens lideranças, a organização deixou o sul e rumou, inicialmente, para o Pontal do Paranapanema (SP), Pará, Mato Grosso e Pernambuco. Arregimentou e treinou quadros, articulou invasões, enraizando-se estrategicamente pelo território nacional. Aonde chegavam, contrastavam aqueles jovens loiros, de olhos claros, sotaque sulino, com as pessoas pobres e analfabetas, amorenadas pelo sol escaldante, mãos calejadas, estas parecendo ouvir profetas da redenção humana. Ninguém como o MST soube misturar a luta ideológica com o apelo messiânico.

Na segunda fase o MST radicalizou sua tática, construindo uma "fábrica de sem-terra" a partir da massa de desempregados urbanos. Até veículos com alto-falantes se utilizavam na periferia vendendo o passaporte da felicidade no campo. Bastava pagar uma taxa de inscrição, montar uma barraca de lona preta na beira da estrada e pronto: o excluído transformava-se num sem-terra. A moda pegou. Dezenas de movimentos "revolucionários", com nomes assemelhados, surgiram alhures, destinados a invadir fazendas. Jagunços gostaram da ideia, montaram seus esquemas criminosos e o banditismo rural se expandiu. Junto, cresceu a violência.

Nesse mesmo período, todavia, avançava a modernização capitalista da agropecuária. Progressivamente, quem, na verdade, estava derrotando o latifúndio era a tecnologia, a produtividade puxada rentabilidade do mercado. Mais adiante, após a estabilização da economia e a globalização, o Brasil começou a consolidar um modelo de produção rural altamente competitivo, tropicalizado, hoje admirado mundialmente. Os recordes na safra de grãos expressam facilmente tal revolução produtiva no campo. Mas na pecuária também se verificou um salto extraordinário: o Censo do IBGE mostrava, em 1980, uma relação de 0,68 cabeça de gado por hectare de pastagem; em 2006, a relação subiu para 1,1. A produção de leite por vaca/ano passou de 934 litros para 1.618 no mesmo período. Incrível.

É a modernização da agropecuária que explica, em parte, a terceira fase do MST: a decadência. Falta atualmente mão de obra em todos os setores da roça, uma escassez que eleva a remuneração do trabalho. Um tratorista, por exemplo, aufere ganhos que, em Mato Grosso, chegam a cinco salários mínimos. O que é preferível: padecer num lote distante da tecnologia e longe do mercado, ou conseguir um bom emprego, carteira assinada? Aguentar doutrinação velhaca, pagar comissão ao MST, ou crescer na vida emancipado?

Dentre as várias razões que explicam a derrocada do MST, uma delas recai sobre o sucesso da causa: o Brasil realizou, em 20 anos, a maior reforma agrária do mundo, distribuindo terras para 1,1 milhão de famílias. Dessas, 55% se encontram sob o domínio político da organização, que precisa, agora, cuidar da cria, mostrar resultado. Qualidade, não apenas quantidade. Um programa de reforma agrária, afinal, não pode virar rosca sem fim.

Perguntam-me sempre se foi importante o MST. Em termos, sim. Cumpriu papel histórico. Ao combater a terra ociosa, empurrou a burguesia agrária rumo ao progresso capitalista. Mas quando decidiu fazer justiça com as próprias mãos, tornando-se violento, manipulador dos miseráveis, passou a agredir a modernidade. Pior, ao participar do jogo da corrupção escondido entre os convênios do governo, maculou sua aura. Desviando dinheiro público, prostituiu-se.

Aos 30 anos, o MST perdeu o bonde da História. Sofre sua crise de identidade.


...

*Xico Graziano é agrônomo e foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br.


OUTRAS COLUNAS
André Pozetti
Antonio Copriva
Antonio de Souza
Archimedes Lima Neto
Cecília Capparelli
César Miranda
Chaparral
Coluna do Arquimedes
Coluna do Bebeto
EDITORIAL DO ESTADÃO
Edson Miranda*
Eduardo Mahon
Fausto Matto Grosso
Gabriel Novis Neves
Gilda Balbino
Haroldo Assunção
Ivy Menon
João Vieira
Kamarada Mederovsk
Kamil Hussein Fares
Kleber Lima
Léo Medeiros
Leonardo Boff
Luciano Jóia
Lúcio Flávio Pinto
Luzinete Mª Figueiredo da Silva
Marcelo Alonso Lemes
Maria Amélia Chaves*
Marli Gonçalves
Montezuma Cruz
Paulo Corrêa de Oliveira
Pedro Novis Neves
Pedro Paulo Lomba
Pedro Pedrossian
Portugal & Arredores
Pra Seu Governo
Roberto Boaventura da Silva Sá
Rodrigo Monteiro
Ronaldo de Castro
Rozeno Costa
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho
Serafim Praia Grande
Sérgio Luiz Fernandes
Sérgio Rubens da Silva
Sérgio Rubens da Silva
Talvani Guedes da Fonseca
Trovas apostólicas
Valéria Del Cueto
Wagner Malheiros
Xico Graziano

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
26/12/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
21/12/2020 - ARQUIMEDES (Coluna do Arquimedes)
20/12/2020 - IDH E FELICIDADE, NADA A COMEMORAR (Fausto Matto Grosso)
19/12/2020 - 2021, O ANO QUE TANTO DESEJAMOS (Marli Gonçalves)
28/11/2020 - OS MEDOS DE DEZEMBRO (Marli Gonçalves)
26/11/2020 - O voto e o veto (Valéria Del Cueto)
23/11/2020 - Exemplo aos vizinhos (Coluna do Arquimedes)
22/11/2020 - REVENDO O FUTURO (Fausto Matto Grosso)
21/11/2020 - A INCRÍVEL MARCHA DA INSENSATEZ (Marli Gonçalves)
15/11/2020 - A hora da onça (Coluna do Arquimedes)
14/11/2020 - O PAÍS PRECISA DE VOCÊ. E É AGORA (Marli Gonçalves)
11/11/2020 - Ocaso e o caso (Valéria Del Cueto)
09/11/2020 - Onde anda a decência? (Coluna do Arquimedes)
07/11/2020 - Se os carros falassem (Marli Gonçalves)
05/11/2020 - CÂMARAS MUNICIPAIS REPUBLICANAS (Fausto Matto Grosso)
02/11/2020 - Emburrecendo a juventude! (Coluna do Arquimedes)
31/10/2020 - MARLI (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - As nossas reais alucinações (Marli Gonçalves)
31/10/2020 - PREFEITOS: GERENTES OU LÍDERES? (Fausto Matto Grosso)
26/10/2020 - Vote Merecimento! (Coluna do Arquimedes)

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques